Sector do vinho fala em ruptura e aumentos entre 55% e 70% nas garrafas de vidro

Dificuldades no acesso a garrafas de vidro para vinho mantêm-se em 2023 e os preços subiram “55% a 70%”. Vidreiras negam constrangimentos e dizem estar “a funcionar na sua capacidade total”.

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Associações do sector denunciam aumentos no custo da garrafa de vidro na ordem dos 50% a 70% Tiago Bernardo Lopes

Os produtores engarrafadores de vinho em Portugal continuam com sérias dificuldades no acesso a garrafas de vidro e relatam subidas no preço cobrado por vasilhame que oscilam "entre os 55% e os 70%", denunciam as duas principais associações do sector. As empresas vidreiras negam, numa posição veiculada pela Associação dos Industriais de Vidro de Embalagem (AIVE), qualquer tipo de constrangimento na produção e dizem que as fábricas "estão a funcionar na sua capacidade total, inclusive com novos investimentos".

A produção de vinho em 2022 até caiu, 8%, mas o problema, dizem as vidreiras, foi ter havido "um boom gigante" na procura com a reabertura da economia pós-covid e, em simultâneo, uma guerra que obrigou "a alguma retracção produtiva".

Já em Fevereiro, a Associação Nacional dos Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas (ANCEVE) chamava a atenção, em comunicado, para o agravamento do aumento dos custos de produção que os seus associados estavam a experienciar no início do ano e destacava um material: a garrafa de vidro. Em declarações ao Terroir, Paulo Amorim falou então de "custos absurdos" e de uma "disrupção de entrega de referências", em cores e modelos específicos de garrafas, nomeadamente nos formatos maiores.

Instada pelo PÚBLICO a detalhar junto dos seus associados estas dificuldades, a associação a que preside vem agora dar conta de que "o valor médio de aumento foi à volta dos 55% a 70% em quase todos os modelos" (em Agosto último, a ANCEVE reportava quatro aumentos desde o início de 2022, “de 18 cêntimos, em 2021, para 27 cêntimos").

Experiência "semelhante" têm os associados da Associação de Vinhos e Espirituosas de Portugal (ACIBEV). O PÚBLICO inquiriu a AIVE, que representa três empresas vidreiras — BA Glass, Vidrala e Verallia totalizam seis fábricas em Portugal — e indicou ter consultado os seus associados, sobre o preço médio de uma garrafa Bordalesa, um dos formatos de 75 cl mais comuns, em Março de 2021, 2022 e 2023, mas a associação respondeu que não tem "informação sobre preços dos seus associados".

À ANCEVE chegaram relatos de dificuldades em aceder às garrafas para espumante e aos modelos Bordalesa, Borgonha e Reno, que, denuncia a associação, "estiveram intermitentemente em ruptura ao longo de 2022" e continuam com falhas em 2023. "Registam-se interrupções frequentes de produção e fornecimento sem qualquer aviso prévio ao mercado."

"Sim, em 2023, os constrangimentos continuam a verificar-se sobretudo no vidro branco (todas em capacidades). Nas restantes cores, verificam-se constrangimentos nas capacidades especiais (250 ml, 375 ml e 1500 ml)", informa, por seu turno, a directora-executiva da ACIBEV, Ana Isabel Alves.

A AIVE ​alega não ter dados detalhados por modelo, mas informa que "a produção em 2022 já foi ligeiramente superior a 2021" e sublinha que vendas dos clientes das vidreiras "aumentaram substancialmente", o que provocou um aumento também na procura de garrafas de vidro.

Uma das fatias do preço final está ligada à crise energética que afectou vários sectores da indústria, sector do vidro incluído. "A esmagadora maioria [dos fornecedores] abandonou a sobretaxa energética na sua descriminação em factura, mas incorporou a mesma no preçário final dos modelos", denuncia a ANCEVE. "Neste momento não há taxa, mas houve aumentos na ordem dos 60% a 70% durante o ano passado", refere, por seu turno, a ACIBEV, que respondeu ao PÚBLICO por email.

Para além da taxa de energia encapotada, a ANCEVE dava conta ainda em Fevereiro de outras "alcavalas" cobradas aquando do fornecimento, nomeadamente "valor do transporte e exigência de pagamento antecipado". A ACIBEV diz que com os seus associados tal não está a acontecer. E a associação que representa as vidreiras responde: "desconhecemos essa actuação".

Fábricas a funcionar em pleno, dizem vidreiras

A AIVE fala num aumento exponencial da procura no pós-covid, "por parte de clientes como a indústria do vinho ou das cervejas e para o qual não foi tecnicamente possível dar uma resposta imediata".

Numa resposta por email, a secretária-geral da associação, Beatriz Freitas, recorda que a guerra na Ucrânia "trouxe aumentos incomportáveis do custo do gás natural", que subiu "400% em 2022 (multiplicou por cinco)", e das matérias-primas. Esses constrangimentos obrigaram as fábricas a parar linhas de produção, não tendo a indústria do vidro conseguido "reagir com rapidez". "Um forno de fusão a produzir embalagens de vidro é um processo fabril com uma dinâmica complicada e pesada", refere a responsável.

"Actualmente não há quaisquer constrangimentos a nível produtivo e as fábricas de vidro de embalagem em Portugal estão a funcionar na sua capacidade total, inclusive com novos investimentos, mesmo com a redução verificada nos seus resultados financeiros. Mas é necessário tempo para conseguir uma estabilização do mercado", escreve a secretária-geral da AIVE, que acrescenta que o "sector do vidro de embalagem não repercutiu no preço de venda aos seus clientes a totalidade dos aumentos" que sofreu.

Este é, de resto, um dos pontos de clivagem entre as fábricas e os produtores de vinho, com a ANCEVE a acusar as vidreiras de não reflectirem no preço das garrafas o alívio verificado entretanto nos custos energéticos.

Um dos investimentos a que se refere Beatriz Freitas é o novo forno da Vidralia na sua fábrica da Marinha Grande. Numa publicação online, a empresa vidreira escrevia há duas semanas que o novo forno, "concebido com as melhores tecnologias" e "electrificação aprimorada", tinha permitido "aumentar em 50% a capacidade da fábrica" e permitirá "apostar em dar resposta ao crescimento do mercado". Outras vantagens eram das novas linhas de produção são, segundo a Vidralia, "reduzir consideravelmente as emissões de dióxido de carbono" e poder fabricar embalagens de diferentes tamanhos e formatos".

Garrafa leve também está mais cara

Por falar em novos formatos, e porque a garrafa leve (cerca de 300 gramas) é hoje uma opção procurada por cada vez mais empresas comprometidas com uma produção sustentável, as associações que representam os produtores engarrafadores explicam que esta é uma alternativa que também está mais cara. "O aumento de custos e a escassez também se aplica a estas garrafas", refere Ana Isabel Alves, da ACIBEV.

"A redução do peso das garrafas e frascos, para produzir embalagens mais leves e amigas do ambiente, continua a ser uma das grandes apostas do sector", garante Beatriz Freitas, da AIVE, ressalvando não poder comentar sobre o custo ("a associação não tem esse scope [âmbito]").

Segundo a ANCEVE, estes aumentos "não têm paralelo noutros países", o que cria dificuldades acrescidas à exportação portuguesa, que se encontra a competir com produtores que não estarão a experienciar os mesmos constrangimentos, e outros países vinícolas, "nossos concorrentes", não estão a registar a mesma escassez de vidro.

A associação presidida por Paulo Amorim relata ainda outro constrangimento: novos players não conseguem abastecer-se de vidro em virtude de as vidreiras não estarem a aceitar novos clientes. Citando uma das respostas que recebeu ao seu inquérito interno, a ANCEVE escreve: “Vidreiras e fornecedores de garrafas estão a dar quotas de quantidades aos clientes baseados nas compras do ano anterior. Isto impossibilita qualquer produtor de fechar novos negócios, logo impossibilita aumentos de vendas”.

Ana Isabel Alves, da ACIBEV, diz não conhecer essa dimensão do problema, mas admite como "provável". "A AIVE não tem essa informação", responde o outro lado.

De acordo com dados divulgados em Fevereiro pelo Instituto da Vinha e do Vinho, a produção de vinho até recuou na última vindima face a 2022. "Os dados recolhidos nas Declarações de Colheita e Produção atestam uma diminuição do volume, com um total de 6,8 milhões de hectolitros, representando um decréscimo de 8% face à campanha 2021/2022. No entanto, em comparação com a média das cinco campanhas anteriores, verifica-se um aumento de produção de 2%", informou há dois meses o IVV.

A ANCEVE volta a pedir ao Governo que promova e seja intermediário de diálogo entre representantes dos sectores do vinho e do vidro.

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