Literacia anticorrupção nas escolas: obrigatório ou não, eis a questão

Foi sensata a decisão do Governo deintroduzir este referencial com caráter facultativo, respeitando a autonomia das escolas e a concretização dos respetivos projetos educativos.

Nunca, como hoje, a escola esteve na ordem do dia e pelas mais variadas razões. Com os crescentes desafios que a sociedade enfrenta é natural que se espere mais da escola. Por isso, o interesse da tutela, mas também da sociedade civil, em capacitar as nossas crianças e jovens para a aprendizagem e o exercício da cidadania através de uma componente curricular própria que aborda diferentes domínios (atualmente 14) dentro dos quais são abordadas temáticas diferentes e com caráter ora obrigatório ora facultativo.

No início do ano, a Direção-Geral de Educação constituiu um grupo de trabalho em ordem a produzir um Referencial de Educação para a Transparência e Integridade, a incorporar no domínio dos Direitos Humanos e sobre o qual um recente artigo do PÚBLICO deu conta que a abordagem destes temas na Escola vai ser facultativa. Não se fizeram esperar as reações contrárias a esta decisão, certamente, por se entender que há uma contradição entre o que foi definido em 2021 na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC) como prioridade de prevenção e aquilo que na verdade vai ser implementado.

Com mais de 20 anos de carreira na docência, em todos os graus de ensino (desde o 2º CEB até ao Ensino Secundário), estou convicta de que a opção tomada pelo Governo em introduzir este referencial com caráter facultativo foi uma decisão sensata preferindo-se respeitar a autonomia das escolas e a concretização dos respetivos projetos educativos.

Até que este tema se venha a tornar um tema obrigatório nas nossas escolas teremos de percorrer um longo caminho à margem das agendas políticas e/ou de experiências pedagógicas sem a devida avaliação que poderão ter consequências negativas para a formação dos nossos jovens e para a vida das respetivas comunidades educativas.

A natureza da Educação para a Cidadania, o papel da autonomia das escolas e a ação dos professores são três vetores que podem determinar o sucesso ou o fracasso da abordagem da temática da "corrupção" nas escolas, seja ela aplicada de forma facultativa ou obrigatória.

Quando em 2017 foi publicada a Estratégia Nacional da Educação para a Cidadania (ENEC) recomendava-se o reforço da implementação da componente curricular da Cidadania e Desenvolvimento para todos os níveis de ensino em estreita articulação com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PA) e com as Aprendizagens Essenciais (AE). Isto é, reafirma-se o papel da Educação para a Cidadania como área transversal a todos os níveis de ensino e áreas curriculares disciplinares.

Contudo, do ponto de vista prático, a Cidadania e Desenvolvimento apresenta uma estrutura diferente consoante o ciclo de ensino - integrada transversalmente no currículo, na Educação Pré-escolar e no 1º Ciclo, uma disciplina autónoma no 2.º e 3.º ciclos e, no ensino secundário, é desenvolvida com o contributo de todas as disciplinas e componentes de formação. Só por si, a exigência desta multidisciplinaridade é um enorme desafio que apela a uma gestão criativa e eficaz dos programas curriculares, mas também uma enorme oportunidade para desenvolver múltiplos projetos.

Por outro lado, importa destacar a autonomia das escolas neste processo que, ao definirem um Projeto Educativo, em estreita ligação com a comunidade educativa, abrem portas a caminhos mais ricos e duradouros na promoção de uma efetiva Educação para a Cidadania e, claro está, de uma cultura de integridade. Importa por isso, respeitar o tempo da Escola e sem imposições descontextualizadas, porque o essencial é diferente de Escola para Escola. Contrariar este ritmo natural é perturbar um caminho que se quer estável e que há muito se reclama.

Finalmente, e não menos importante, o papel dos professores na promoção da Educação para a Cidadania que, no caso particular da literacia anticorrupção, precisam de um enorme investimento de formação específica e pedagógica, sob o risco de transformar este tema numa sequela baseada no recurso de casos mediáticos e, por isso, assentes numa narrativa sem método, inflamada e fatalista.

Como diz o ditado português: “Depressa e bem não há quem.” Sejamos ousados, exigentes, mas também ponderados nesta discussão!

Quando a Direção-Geral de Educação convidou a All4Integrity para integrar o grupo de trabalho e colaborar na definição do Referencial de Educação para a Transparência e Integridade, sabia da consistência do trabalho que o programa de literacia anticorrupção desta Associação “RedEscolas AntiCorrupção – escolas que nos inspiram uma cultura de integridade” tem vindo a desenvolver e, acima de tudo, a forma integrada, flexível e interdisciplinar como é feito.

Em apenas duas edições, o programa RedEscolas AntiCoprrupção triplicou o número de escolas participantes e hoje chega a 50 escolas, 4100 alunos, 100 professores e a três continentes prevendo-se, já no próximo ano letivo, ser implementado no Brasil, em Cabo Verde, no Chile e nos EUA. "Porta a porta" fizemos, e continuamos a fazer grandes conquistas, porque a relação individualizada que temos com cada escola e com cada professor tem desmistificado o tema e o processo de implementação. As escolas aderentes estão cada vez mais capacitadas porque, livremente, puderam escolher e entusiasmaram-se com a adesão dos seus alunos e, tão importante quanto o resto, contagiaram as suas comunidades educativas, outros professores e outras escolas.

Sim, a RedEscolas AntiCorrupção da All4Integrity é um programa de proximidade, porque é nessa proximidade que construímos, sem restrições, diálogos, parcerias e ferramentas tecnológicas que fazem com que, hoje, estejamos na agenda de muitas instituições, quer do setor privado quer do setor público, como é o caso do Mecanismo Nacional AntiCorrupção (Menac).

Todos temos a ganhar quando, passo a passo, conquista a conquista, vamos fazendo caminho na luta contra a corrupção e na promoção de uma cultura de integridade.

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