Fado e música afegã cruzam-se em concerto num inédito “ritual conjunto”
Esta terça-feira em Torres Vedras e quarta no Teatro Maria Matos, em Lisboa, a Temporada Darcos cruza fados de Lisboa e músicas de Cabul. Marco Oliveira, que ali cantará, explica como.
É um espectáculo inédito, chama-se Lisbon-Kabul: Music Intineraries of Wonder, Uma Viagem Extraordinária e tem estreia absoluta marcada para esta terça-feira, no Teatro-Cine de Torres Vedras, às 21h30, apresentando-se no dia seguinte no Maria Matos, em Lisboa, às 21h. Juntando fados e música tradicional afegã, integra-se na 16.ª edição da Temporada Darcos, e terá em palco o fadista Marco Oliveira, Miguel Amaral na guitarra portuguesa, o Ensemble Darcos e músicos afegãos do ANIMP, Instituto Nacional de Música do Afeganistão em Portugal. A direcção musical é do criador, maestro e programador Nuno Côrte-Real.
“A ideia partiu do Nuno Côrte-Real, que lançou este desafio ao Miguel Amaral”, diz ao PÚBLICO Marco Oliveira. “O espectáculo começou a ser construído de modo a incluir os músicos afegãos refugiados aqui em Portugal, na orquestra do ANIMP (Afghanistan National Institute of Music/Portugal). A ideia do Nuno seria cruzar a nossa música tradicional com a música do Afeganistão. Quando me desafiaram, senti imediatamente que queria fazer parte deste projecto. E tem sido incrível, podermos criar o programa deste concerto e, ao mesmo, tempo, apoiar esta orquestra e estes músicos que acabaram por ter de fazer a sua vida aqui.”
Recorde-se que, quando os taliban voltaram a dominar Cabul, que caiu nas suas mãos no dia 15 de Agosto de 2021, a música foi proibida pelo regime que ali instalaram. Na sequência disso, Portugal foi um dos países a colher refugiados afegãos, um total de 273, entre os quais se encontravam professores e alunos do ANIM (Afghanistan National Institute of Music), criado em 2008 para assegurar a transmissão e salvaguarda do património musical afegão. Esse acto, “de uma relevância transcendente, que não acolheu a devida atenção da sociedade civil portuguesa”, escreve-se agora no programa, “permitiu salvar não apenas vidas humanas (especialmente de jovens raparigas) mas também uma tradição musical ameaçada.”
Os dois concertos agora anunciados inserem-se nesse objectivo, juntando fados lisboetas como Não venhas tarde, Vielas de Alfama ou o Fado Corrido de Manuel de Almeida a um conjunto de músicas afegãs. “A maior parte serão instrumentais”, explica Marco Oliveira. “Mas haverá também uma parte com um pequeno improviso cantado. Em concerto, é incrível de repente haver essa viagem, essa janela que se abre para uma outra cultura.” Os temas surgirão intercalados, misturados no alinhamento: “É como se fosse um ritual conjunto.”
A par de temas antigos ou tradicionais, estes concertos integram ainda dois temas inéditos: “Há duas canções que vão ser estreadas neste espectáculo. Uma do Miguel Amaral com um poema meu e outra com letra e música do Nuno Côrte-Real, que a escreveu quando tinha 19 anos e morava em Lisboa [num “momento de trovador punk”, escreve-se no programa]. Ele contou-me que se sentiu muito inspirado com a música desta cidade, escreveu essa canção e agora achou que era o momento certo para escrever um arranjo e apresentá-la.” Caberá a Marco Oliveira cantá-la, juntamente com várias outras canções e fados. “Do Carlos Ramos, do Max, fomos buscar também um poema do meu disco Ruas e Memórias, outro do meu segundo álbum, chamado Fado à janela [de Amor é Água Que Corre, 2016], e vamos fazer essa ligação com a poesia afegã, que também fala muito sobre a temática do amor.”
Marco Oliveira e os restantes músicos reuniram-se no passado domingo em Torres Vedras para um primeiro ensaio conjunto, depois de todos eles terem trocado entre si informações e impressões acerca dos temas e respectivos arranjos. “O que me fascinou mesmo”, diz Marco, “foi o reforçar dessa ideia de inclusão e integração, a par da importância de, num momento de tantos desafios humanitários, conseguirmos reforçar o nosso apoio a estes músicos.”
O concerto de Torres Vedras é de entrada gratuita e o de Lisboa tem bilhetes a 10 euros.