Morreu Maria Antónia Fiadeiro, jornalista e activista dos direitos das mulheres

Tinha 81 anos e foi sempre feminista. Fundou nos anos 80 a Liga dos Direitos das Mulheres, fez parte da direcção da Associação para o Planeamento Familiar e defendeu a despenalização do aborto

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Maria Antónia Fiadeiro tinha 81 anos Nuno Ferreira Santos

Maria Antónia Fiadeiro, jornalista, feminista e activista da legalização do aborto, morreu esta quinta-feira, aos 81 anos, vítima de uma paragem cardiorrespiratória. O velório terá lugar domingo, a partir das 17h30 horas na Basílica da Estrela, em Lisboa. O funeral será segunda-feira, no crematório do Cemitério do Alto de São João.​

Jornalista durante toda a vida, Maria Antónia Fiadeiro destacou-se pelo seu empenho no movimento feminista e na luta pela despenalização do aborto. Em 2020, em entrevista ao PÚBLICO, contava como gostava de ser recordada: "Uma mulher que trabalhou toda a vida! Que se interessou toda a vida pelas mulheres, sim. Mas não sempre da mesma maneira. Foi variando conforme os temas mais crus. Por exemplo, no tempo do aborto: era o último recurso, mas no fundo era o primeiro".

Filha dos activistas anti-fascistas Stella Piteira Santos e Inácio Fiadeiro, Maria Antónia esteve presa duas vezes. A primeira em 1962, durante a crise académica, e a segunda dez anos mais tarde, quando regressa a Lisboa com os dois filhos, vinda do Brasil onde havia iniciado a sua carreira de jornalista. "Foi uma espécie de castigo", contaria sobre o período de um mês em que esteve presa nos anos 70.

Tendo sempre como exemplo de vida Maria Lamas, sobre quem escreveu uma biografia, participou na fundação da Liga dos Direitos das Mulheres, fez parte da direcção da Associação para o Planeamento Familiar e escreveu em 1984 um livro que foi uma pedrada no charco na altura: "Aborto, O crime está na Lei", onde defendia a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

"O fio condutor é o dar à luz e o que isso significava na vida de uma mulher e nos sonhos de uma mulher. Em tudo. [A despenalização do aborto] foi uma grande luta. Foi uma luta dominante do século xx, que foi o século das mulheres", recordava, na mesma entrevista ao PÚBLICO em 2020.

Profissionalmente, foi directora literária nas Publicações Europa-América, chefe de redacção da revista Modas e Bordados do jornal O Século, dirigente do Sindicato dos Jornalistas, juntamente com a sua amiga Maria Antónia Palla.

"Fui sempre feminista mesmo quando não sabia que era. A pessoa não larga os seus sonhos, os seus ideais, assim a qualquer hora. Ainda há muito a fazer pelas mulheres, e são elas que têm de o fazer. Sobretudo no quotidiano. Acho que as mulheres, nestas lutas, ganharam muita coisa e perderam muita coisa também. E uma das coisas que perderam é o tempo. O tempo livre que tinham — ou que pensavam que tinham, não importa, viviam-no como tal — perderam-no e têm de o recuperar porque faz-lhes falta. Faz parte da vida delas, dos seus sonhos, do seu futuro. E do seu quotidiano", defendia.

Maria Antónia Fiadeiro era licenciada em Filosofia Pura pela FFCL/USP, em São Paulo, no Brasil (1972), mestre em Estudos sobre Mulheres pela Universidade Aberta, em Lisboa (1990), onde foi também investigadora no Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais.

O gabinete da ministra-adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, emitiu uma nota de pesar, lamentando a morte de Fiadeiro, "empenhada feminista, que lutou pela despenalização do aborto, e jornalista activista".

"Maria Antónia Fiadeiro foi um exemplo no modo como se dedicou à defesa dos direitos das mulheres, mas também em áreas de estudo ligadas às migrações e relações interculturais", lê-se na nota que acrescenta que, "sabendo que não devemos tomar todos os direitos como garantidos para sempre, por haver quem insista em reduzir a condição da mulher, devemos ter presente o exemplo maior da vida e obra de Maria Antónia Fiadeiro".

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