O mundo em crise e o 1% a andar de jacto

O crescimento alarmante de voos de jacto é o oposto claro do que a ciência nos diz. Se nem nos conseguimos livrar das emissões mais desnecessárias, como vamos chegar ao zero?

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Reuters/DYLAN MARTINEZ

A Greenpeace lançou um relatório sobre jactos privados na Europa (EU27, Reino Unido, Suíça e Noruega). A análise mostra que, apenas no ano passado, os voos de jactos privados nestas regiões aumentaram uns impressionantes (e desastrosos) 64% (para um total de 572 806 voos) e as emissões anuais mais que duplicaram em comparação ao ano anterior.

O mundo em crise climática, a Europa a sentir ondas de calor e secas em pleno Inverno, e o 1% a andar de jacto.

A investigação, conduzida pelo CE Delft, concluiu inclusive que duas das três rotas mais populares dentro dos voos privados efectuados em 2022 têm ligações de comboio directas, de menos de três horas e meia, e que se repetem várias vezes por dia. Qual a necessidade deste luxo destruidor?

Apenas em 2022, as emissões causadas pela aviação privada na Europa equivalem às emissões anuais de CO2 de 3.3 milhões de pessoas em África, o continente mais vulnerável aos crescentes impactos da crise climática. Segundo o IEP (Institute for Economics and Peace), estima-se que em 2050 possa haver cerca de 1.2 mil milhões de refugiados climáticos.

Ora, jactos privados emitem mais GEE do que qualquer outro meio de transporte: cinco a 14 vezes mais do que voos comerciais (por passageiro) e 50 vezes mais do que comboios. Enquanto isso, 80% da população global nunca sequer pôs os pés num avião, mas tem carregado nos ombros as consequências da crise climática — com comunidades a ser forçadas a deslocar-se e a enfrentar fenómenos climáticos cada vez mais frequentes e intensos.

Na semana passada, saiu o relatório final do sexto ciclo de avaliação do IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas): nas palavras de Guterres, um autêntico “guia de sobrevivência para a Humanidade”. Neste, a mensagem é clara: há uma janela de oportunidade para assegurar um futuro digno e sustentável para todas as pessoas, mas essa janela está a fechar-se a toda a velocidade.

O crescimento alarmante de voos de jacto é o oposto claro do que a ciência nos diz. Afinal de contas, se nem nos conseguimos livrar das emissões mais desnecessárias, como vamos chegar ao zero?

Olhemos para Portugal. No ano passado, 7994 voos de jacto privado partiram de Portugal, causando cerca de 65 300 toneladas de CO2, o equivalente à média anual de emissões de 43,533 carros. Em relação ao ano anterior, este número de voos representa um aumento de 81%, e estas exuberantes toneladas de emissões um aumento de 98%.

Nos últimos três anos (2020-2022), os jactos privados que partiram de Portugal causaram um total de 103 400 toneladas de emissões de CO2. Tanto em 2021 como em 2022, a rota mais curta foi entre Lisboa e Tires (efectuada 118 vezes só no ano passado!). Esta rota, facilmente feita por transportes públicos em cerca de um hora, foi em 2022 a segunda com maior intensidade carbónica na Europa.

Em plena crise climática, de energia e de custo de vida, andar de jacto privado é atirar gasolina para uma fogueira já descontrolada. O luxo das mais pequenas minorias é o colapso de todos. Perante isto, por todo o mundo, surgem iniciativas para banir os jactos privados. Ainda em Fevereiro, no Dia de S. Valentim, houve acções em 11 países — no total, mais de 200 activistas protestaram contra este luxo criminoso, inclusive mais de 50 cientistas.

Por cá, surgiu a campanha Abolir Jatos, que parece que ainda muito dará que falar.

Afinal de contas, os jactos privados representam voos directos para o colapso. Está na hora de aterrar.

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