Cartas ao director
O siso não é dos produtos mais consumidos
Estranho país este onde se come o dobro do recomendado, pelo que, obviamente, mais de metade dos adultos tem excesso de peso, mais de 1/5 é mesmo obeso — e onde esta situação é ainda mais grave nas classes socioeconómicas mais desfavorecidas — e que também, para agravar, consome quatro vezes mais carne do que o recomendado, o Governo tenha decidido eliminar o IVA dos “produtos mais consumidos”, incluindo a carne e a manteiga.
Esta deliberação contou com o beneplácito da Direcção-Geral da Saúde e o apoio da Confederação dos Agricultores de Portugal, da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição e de todos os partidos da oposição, que só lamentam ser pouco e tardio. Da lista não faz parte o siso, provavelmente por não ser dos “produtos mais consumidos”.
H. Carmona da Mota, Coimbra
Não sei se sei
Não sei se sei bem o que mais falta faz aos mais carenciados, mas a redução do IVA de 6% para zero dá “noves fora nada”. Para se endireitar a vida aos mais desvalidos, não é com subsídios a esmo. Quem lucra com estas artimanhas são sempre os mesmos de sempre – o grande capital.
O actual Governo tem de seguir, grosso modo, o que a quadrilha do Zé do Telhado fazia: tirar aos ricos e dar aos pobres, ou então seguir os ensinamentos práticos e testamentários de Rui Nabeiro, que, mesmo modernizando as suas empresas, manteve sempre os postos de trabalho. Portanto, nada de baixar o IVA, mas sim dar a quem trabalha um vencimento justo que faça face à continuada carestia de vida, bem como aumentar as reformas mais baixas.
Os elevados e absurdos lucros de algumas empresas nossas conhecidas devem ser encaminhados, por exemplo, para a Segurança Social, para o SNS e para a Educação.
José Amaral, Vila Nova de Gaia
A neblina salazarista
A comunicação social testemunhou, há escassos dias, mais uma confirmação da decomposição galopante em que se encontram os valores democráticos portugueses. Segundo as notícias divulgadas, alguns autarcas contestaram o regresso da “carta de perigosidade de incêndio rural”, por considerarem “atentatória dos direitos do cidadão”.
Ora, é inacreditável que o bom senso que resta no país resida somente nalguns autarcas. A questão que desde logo aqui deve ser colocada é porque é que o Estado emite uma carta de perigosidade, seja relativa ao que for. O país, em qualquer quadrante, é suposto ser seguro para aqueles que o habitam. Aquilo que aqui se encontra implícito é uma genuína demissão do Estado do papel que lhe incumbe na gestão do ordenamento do território, driblando o problema com um medíocre documento.
Por outro lado, ninguém questiona este paternalismo que se aceita languidamente? Mesmo após o descalabro das medidas pandémicas, o Estado continua a tomar decisões que não lhe competem. Aquilo que deveria fazer era apostar na Protecção Civil, não ter vendido meio país aos eucaliptais e incentivar o pastoreio de gado e a recolha de lenha para diminuir os incêndios. Prevenindo é que se resolvem os problemas. O resto é salazarento!
Pedro Pereira, Barreiro
Será que Os Lusíadas também vão ser reescritos?
Perdoem a minha surpresa face às muitas e várias notícias de que muitos livros de autores mundialmente reconhecidos estão a ser reescritos para passarem a utilizar uma linguagem “mais inclusiva”, seja lá isso o que for. Anteriormente, os professores explicavam, e bem, que qualquer livro tem de ser analisado tendo como referência a época e a data em que foi escrito. Hoje, passando-se um atestado de burrice e falta de inteligência aos jovens, é praticada a nível mundial a reescrita dos livros. Porquê?, pergunto eu. Sinceramente, não percebo. Será que Os Lusíadas, de Camões, também vai ter de ser reescrito? Sejamos coerentes, intelectualmente honestos e não queiramos passar um atestado de “demência” aos nossos jovens, que nada têm de burros. Um livro é algo que relata sempre uma época e não podemos querer que um livro escrito em 1960 ou 1990 use a linguagem de hoje. Tudo o resto é intromissão e tentativa de formatar a capacidade de análise de cada um, o que é inadmissível, vergonhoso e profundamente lamentável. Haja juízo!
Manuel Morato Gomes, Senhora da Hora