(Avenida da) Liberdade perdida…

Os actuais problemas de congestionamento de tráfego na avenida não se resolvem por lhe acrescentar capacidade de escoamento fazendo das laterais um reforço da faixa central.

Na apresentação pública das alterações a realizar nas laterais da Av. da Liberdade, António Costa, então presidente da CM de Lisboa, enunciava os objectivos da mudança: reduzir o volume de tráfego e melhorar a qualidade do ar na avenida, aumentar a segurança da circulação, proporcionar maior comodidade para as pessoas e favorecer uma boa ligação entre os passeios e os espaços centrais arborizados. A decisão fora precipitada por um processo movido pela Comissão Europeia ao Estado português pelo não cumprimento da lei da qualidade do ar na avenida.

Dava-se assim início a um período experimental de três meses, no seguimento de uma dezena de reuniões públicas com múltiplos interessados: residentes, comerciantes, empresários da hotelaria e restauração, escritórios de advogados, associações comerciais e junta de freguesia, ... Nessas reuniões foram apresentadas três alternativas para se atingirem aqueles objectivos, que traduziam outras tantas visões para o futuro da avenida: cortar o trânsito na faixa central e concentrá-lo nas laterais (o que viria a ser testado com a “feira agrícola” promovida por uma cadeia de hipermercados); cortar o trânsito e o estacionamento nas laterais, permitindo estacionamento na faixa central e ligando os passeios ao espaço arborizado; manter a circulação na faixa central, mas invertendo os sentidos nas laterais e limitando a velocidade a 30km/h para permitir a coexistência com a circulação de bicicletas, mantendo aí o estacionamento nos dois lados, enquanto não fosse construído um parque de estacionamento na R. Rosa Araújo. Após discussão foi decidido testar esta última alternativa.

Findo o período experimental, considerando o que se apurou e as novas reuniões realizadas, procedeu-se a alguns ajustamentos, nomeadamente assegurar a continuidade da circulação nas laterais, em vez de manter o seu funcionamento em bolsas.

O novo sistema de circulação permitiu reduzir o tráfego nas laterais de 400 veículos nas horas de ponta para cerca de 50 a 100 (este valor apenas atingido no quarteirão do Tivoli por aí existir um parque de estacionamento), cumprir pela primeira vez os limites legais de concentração de poluentes definidos na lei da qualidade do ar (excepto no tocante a partículas devido à tolerância quanto à circulação de táxis e autocarros a diesel que não respeitavam as normas europeias Euro 1), passar a ter lugares de estacionamento disponíveis e eliminar o estacionamento abusivo em segunda fila. Não se registaram acidentes e a permeabilidade entre os passeios e os espaços arborizados foi confirmada pelo maior número de pessoas a passear nessa parte da avenida.

Por razões que desconheço (deixei de ser vereador no final de 2013) as intervenções projectadas para a avenida acabaram por não se realizar nos mandatos seguintes. Não se substituiu o pavimento das laterais por um piso que assegurasse a continuidade entre os passeios e os espaços arborizados, ainda que permitindo uma circulação automóvel condicionada e tornasse a circulação em bicicleta mais segura e confortável, não se construiu o previsto parque de estacionamento e não se avançou com as restrições da zona de emissões reduzidas e a sua fiscalização. Por outro lado, deixou-se degradar o piso das laterais e não se interveio na regulação semafórica dos cruzamentos, deixando que os congestionamentos na faixa central se acentuassem. Tudo isto acabou por retirar maior impacte às medidas tomadas e deixaram consolidar a ideia de que a Av. da Liberdade tinha passado para um nível secundário das preocupações da CM de Lisboa, situação que se acentuou após as intervenções realizadas no eixo central da cidade.

Os actuais problemas de congestionamento de tráfego na avenida não se resolvem por lhe acrescentar capacidade de escoamento fazendo das laterais um reforço da faixa central. A solução passa por uma melhor coordenação dos semáforos (retomando o conceito de “onda verde”, para o que é necessário dotar os serviços da câmara de capacidade técnica para intervirem neste domínio), resolver o problema do cruzamento com a R. Alexandre Herculano, mudar o pavimento das laterais. Ao proceder de outro modo irá assistir-se ao aumento do congestionamento na faixa central e nas laterais da avenida, ao pior funcionamento da rotunda do Marquês de Pombal e à segregação funcional entre os passeios e os espaços arborizados.

Com quase 50 anos de prática profissional, onde procurei aplicar os ensinamentos dos Mestres com quem trabalhei (Nuno Portas, Costa Lobo, Bruno Soares, Manuel Salgado e Vassalo Rosa, entre outros), sempre procurei tomar decisões fundamentadas no estudo da realidade onde intervinha e em estudos técnicos que justificassem as acções propostas. Com dúvidas e certamente com erros, mas sempre disponível para ouvir outras opiniões, reconhecer o erro e corrigi-lo. O que não se pode aceitar é questionar propostas com base no “achismo” e decisões obedecendo a imediatismos sem fundamento técnico.

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