Steve McQueen expõe os destroços da Torre de Grenfell

A nova instalação do cineasta e artista em Londres é um filme de 24 minutos que exibe as ruínas calcinadas do prédio de habitação social cujo incêndio causou 72 mortos em 2017.

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Intervenção dos bombeiros no grave incêndio que causou 72 mortes a 14 de Junho de 2017 em Londres HANNAH MCKAY/REUTERS
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O que restava do edifício de 24 andares na zona de Kensington WILL OLIVER/EPA

Depois de ter abordado o quotidiano da diáspora africana no Reino Unido na premiada série televisiva Small Axe, o artista e cineasta britânico Steve McQueen continua a reflectir sobre a desigualdade social e racial no Reino Unido com o seu novo projecto.

Grenfell, que estará patente de 7 de Abril a 10 de Maio na galeria Serpentine South de Londres, com entrada livre, é um plano-sequência único de 24 minutos rodado em Dezembro de 2017, filmado a partir de um helicóptero que sobrevoou os destroços da torre de habitação social de Grenfell poucos meses depois do grave incêndio que causou 72 mortes a 14 de Junho de 2017.

Os inquéritos realizados desde então vieram revelar que a tragédia poderia ter sido evitada se os empreiteiros responsáveis pela manutenção do edifício de 24 andares não tivessem instalado revestimentos inflamáveis para poupar dinheiro. Este foi apenas o primeiro elo de uma cadeia de desinteresse, displicência e poupança de dinheiro das autoridades e dos responsáveis, perante um prédio de habitação maioritariamente habitado por imigrantes (entendidos como cidadãos de segunda categoria que não justificavam investimentos elevados na segurança do prédio). Seis anos depois, ainda ninguém foi responsabilizado pelo incêndio, embora os resultados do inquérito oficial iniciado em 2018 ainda não tenham sido anunciados.

Incêndio na consciência

No programa que acompanha a instalação do filme na galeria londrina em Kensington, o mesmo bairro onde Grenfell estava instalado, McQueen explica que muita da sua vida foi passada nas redondezas da torre. Para além de ter crescido na zona próxima de White City, o artista conhecia o edifício por ter visitado uma amiga que se mudara para o prédio no início da década de 1990, e trabalhou no mercado de Portobello Road a pouca distância de Grenfell.

Foi o sentido de comunidade que McQueen reconhecia na área que o levou a querer marcar posição. “Senti-me dilacerado, como muitas outras pessoas, ao assistir a uma tragédia que não precisava de ter tido lugar mas que aconteceu por negligência deliberada,” escreve no programa. “A única maneira de lidar com a tragédia foi visitar de novo o prédio, quase 30 anos depois [da minha primeira visita].”

Em entrevista ao jornal The Guardian, McQueen explicou que a exibição pública do filme é feia com a bênção e a aprovação dos sobreviventes da tragédia, bem como dos ex-residentes, familiares dos falecidos e habitantes da zona. Alguns deles disseram ao diário inglês que não querem assistir ao filme mas que estão de acordo com a sua exibição, para manter o incêndio na consciência dos londrinos. “Não era possível mostrar estas imagens nos três ou quatro anos que se seguiram [à tragédia],” afirmou McQueen para justificar o longo intervalo entre a rodagem de Grenfell e a sua exibição pública.

O plano-sequência único foi rodado em Dezembro de 2017, a partir de um helicóptero que sobrevoa Londres em direcção ao prédio carbonizado, que o helicóptero rodeia repetidamente enquanto a câmara se foca nas habitações calcinadas, registando o que restou do interior dos apartamentos ou os investigadores forenses que buscam provas nos destroços. “A ideia era suspender o edifício no tempo, observá-lo, e insistir nessa observação. Insistir, insistir,” disse o artista ao Guardian. “Vai haver gente que se vai sentir algo perturbada. Quando fazemos arte, qualquer coisa decente… há certamente pessoas que se vão sentir possivelmente ofendidas. Mas é assim que as coisas são.”

A rodagem decorreu pouco antes das autoridades decidirem revestir a torre — McQueen descreveu-a como uma “corrida contra o tempo”, pois “uma vez as coisas longe da vista, podem ser esquecidas; isso pode ser mais conveniente para aqueles que querem que esqueçamos.”

O artista não tem a mínima dúvida que a tragédia poderia ser evitada, e que o incêndio foi “um acto deliberado de negligência e, até certo ponto, de ganância”. No programa da exposição, refere que “estava determinado a que [Grenfell] não fosse esquecido. Pelo que a minha decisão estava tomada. Recordar.”

Grenfell surge na sequência de uma outra instalação do autor de 12 Anos Escravo à volta do racismo institucional, Sunshine State, encomendada pelo Festival de Cinema de Roterdão, e da exploração contínua da injustiça enfrentada pela diáspora caribenha em Londres patente nas séries que realizou para a BBC, o conjunto de ficções Small Axe e o documentário em três episódios Uprising. Ao Guardian, Steve McQueen considerou esta dimensão activista crucial para o seu trabalho actual. “A justiça dá-me energia,” diz. “A verdade dá-me energia… Precisa que a gritemos do topo dos prédios mais altos.” Ou, no caso de Grenfell, de um helicóptero que os rodeia.

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