Síria ou Crato. E dois vinhos que são belos exemplares da nossa portugalidade

Doispontocinco Colheita Especial Síria 2020 e Lagoa Reserva Single Vineyard Crato Branco 2019 são vinhos muito acessíveis, mas belos exemplares da nossa portugalidade, amigos da mesa, a revisitar.

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N'O Vinho dos Outros, rubrica de opinião do Terroir, a enóloga Sandra Alves sugere uma casta e dois terroirs: a Síria ou Crato na Beira Interior e no Algarve

Síria, Roupeiro ou Crato branco são alguns dos nomes pelos quais é conhecida a mesma casta, que tem um lugar de destaque no encepamento de brancos, pois cresce um pouco por todo o país, mas provavelmente alcançou maior relevo na Beira Interior, no Alentejo e no Algarve.

A minha paixão por esta casta surge quando ainda era estudante de enologia e fiz uma vindima em Castelo Rodrigo e (só) nessa altura realizei a dimensão e o potencial da mesma, sobretudo nas características de solo, relevo e clima desta sub-região. Acontece com alguma frequência… uma jovem transmontana habituada a ter o Douro como ponto de referência, não olhar para o quão vasto, rico e diverso é o património vitivinícola do resto do país…

Uma casta pode ter comportamentos e dar origem a vinhos de perfis completamente distintos, dependendo do território onde cresce, do tipo de viticultura, do enólogo que cria o vinho… por isso, quando surgiu a pergunta “o que andas a beber?”, entre tantas respostas possíveis, decidi partilhar o exercício que havia feito num passado muito recente, em que fui à procura de vários exemplares de vinhos feitos com base na casta Síria / Crato Branco, de norte a sul do país, pela curiosidade de perceber o que se está fazer com esta casta e como se continua a revelar nos diferentes territórios.

E estão a ser feitos muitos vinhos excelentes que retratam e elevam a singularidade desta variedade, em harmonia com a tipicidade do território que lhe dá origem, no entanto devo referir que os melhores exemplares são das vinhas mais velhas quando a produção estabiliza e a vinha se torna parte integrante da paisagem.

Estes são vinhos muito acessíveis, mas belos exemplares da nossa portugalidade, amigos da mesa que apetecem revisitar uma e outra vez.

Doispontocinco Colheita Especial Síria 2020

Cinco sócios, com vinhas distribuídas por duas freguesias, Caria e Belmonte, na Beira Interior, no coração da sub-região da Cova da Beira, mesmo no sopé da serra da Estrela, a cerca de 350 metros de altitude, em solos de origem granítica, onde nasce este vinho feito pela referência incontornável que é Anselmo Mendes e a muito criativa e competente Patrícia Santos, que fermentaram estas uvas em barricas usadas de carvalho francês, onde já tinha fermentado mosto de Fonte Cal, com estágio de seis meses sobre as borras finas acompanhado de batônnage e um ano de estágio em garrafa.

E a Síria expressa-se desta forma única, só possível nesta sub-região, com um perfil mais fechado, que a barrica ajudou a desinibir, libertando os aromas mais suculentos, a frescura inimitável, alguma mineralidade onde notas de sílex se prolongam na boca e o ligeiro cariz vegetal que se revela numa complexidade de final de boca prolongado.

Com PVP de 9 euros, este é um belo parceiro para os típicos míscaros com ovos, pratos de polvo, pratos de bacalhau ou queijos de pasta mole.

Lagoa Reserva Single Vineyard Crato Branco 2019

Produzido pela última sobrevivente das adegas cooperativas do Algarve, a Única — Adega Cooperativa do Algarve, não é com certeza a sugestão mais óbvia, mas ilustra o muito que se faz bem feito, um pouco por todo o país, desta feita no Algarve, onde naturalmente as características climáticas, com temperaturas médias anuais elevadas e invernos moderados, não facilitam o trabalho de quem produz os vinhos, mas onde também existe grande património e tradição vitivinícola e onde cresce o interesse.

Um interesse aliado a novos saberes que permitem encarar as características de solo, e, sobretudo, do clima, das castas e das vinhas mais antigas como fatores favoráveis que trazem diferenciação e suscitam curiosidade.

E o enólogo João do Ó Marques compreendeu bem e favoreceu este Crato Branco, com 12,5 por cento de álcool, numa fermentação singela, precedida pelo estágio sobre as borras finas, que ajudam a revelar os aromas mais intensos, característicos de uma região com menores amplitudes térmicas. Os citrinos estão bem definidos e aliados às notas de frutos tropicais maduros, que permanecem na boca num conjunto com muita textura, rico, equilibrado, mas ainda elegante e longo.

Com um PVP de apenas 7,90 euros, apetece beber enquanto vemos o mar, a montanha, o campo ou a cidade…

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico. Este artigo é publicado no âmbito de um desafio lançado pelo Terroir a vários enólogos para escreverem sobre O Vinho dos Outros

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