Trump, Trumpinhos e Trumpões

Mal o ex-presidente começou a publicar na Truth Social que ia ser detido daí a alguns dias, os media morderam o isco. Trump agendou-se de acordo com a sua conveniência.

A vitória de Donald Trump nas primárias do Partido Republicano está longe de se encontrar garantida, mas o momento de captura do ecossistema comunicacional norte-americano que ele protagonizou recentemente (a propósito do caso Stormy Daniels) revela bem como as notícias sobre a sua morte eleitoral são manifestamente exageradas.

Mal o ex-presidente começou a publicar na Truth Social que ia ser detido daí a alguns dias, os media morderam o isco. A partir de frases como “Trump diz que antecipa ser preso na terça-feira”, jornalistas, comentadores, políticos e cidadãos anónimos alimentaram uma torrente comunicativa ao sabor dos tópicos estrategicamente lançados pelo protagonista. Ao fazê-lo, Trump agendou-se de acordo com a sua conveniência e quebrou um ciclo informativo desvantajoso. Vejamos.

No dia anterior a "Stormy Donald" entrar em acção, os media americanos discutiam outras investigações judiciais mais complicadas em que ele está envolvido. Nesse mesmo fim-de-semana, Mike Pence dava uma entrevista à CBS News e, mais importante ainda, na terça-feira da “detenção” seria transmitida na Fox Nation (subsidiária da Fox News) a entrevista de Piers Morgan a Ron DeSentis, o seu potencial grande rival nas primárias republicanas.

Se o timing do aviso foi cirúrgico, a escolha do caso não o foi menos: o silenciamento do affair com Ms. Daniels envolve questões legais comprometedoras, mas é, de longe, o processo judicial menos complicado para si. Por um lado, a fama de mulherengo (digamos assim) nunca o prejudicou; por outro, esta investigação é liderada por um procurador democrata, negro e cuja campanha para o cargo teve apoio financeiro de George Soros. Dos mais moderados aos mais radicais, os eleitores do seu partido encontram aqui alimento para as suas convicções: além de a grande maioria considerar que o processo tem motivações políticas, o multimilionário financiador figura na galeria dos inimigos do Partido Republicano.

A isto, os mais extremados juntam teorias da conspiração variadas, nomeadamente ligadas à Antifa (grupos de esquerda de pendor radical que se movem contra a extrema-direita, em particular contra o racismo, a xenofobia e a supremacia branca) por causa da etnia do procurador.

Este caso contribui para consolidar a narrativa da vítima de um regime corrupto, que o persegue e tudo faz para o impedir de regressar à Casa Branca. Ajuda-o ainda a ser percepcionado como excluído do sistema, etapa fundamental para se reposicionar novamente como candidato anti-sistema. Mesmo os media que procuraram desconstruir as suas mensagens, como a CNN e o New York Times, ao focarem-se nele e num tema sem factos, cumpriram os objectivos do ex-presidente.

A economia política de Trump, ainda que conhecida, é ardilosa: edifica-se no modelo de negócio do ecossistema mediático, na indústria de (des)informação dos circuitos conspirativos polarizados e na produção de réplicas que operam no mercado global em regime de franchising. Trumpinhos e Trumpões são real fakes que seguem a cartilha do mestre e trabalham afincadamente na construção de egocracias com que ambicionam substituir as democracias que os elegeram. Os media noticiosos raramente resistem a estas personalidades que têm tanto de histriónico quanto de calculista – dois atributos que os tornam exímios fazedores de notícias e hábeis domadores de feras algorítmicas.

Trump, Trumpinhos e Trumpões desprezam o trabalho noticioso, mas a visibilidade é o oxigénio do egocrata em ascensão Por isso, e apesar de a aniquilação do jornalismo independente constituir um objectivo a médio prazo, ele continua a ser selectivamente usado. E este mesmo jornalismo, de uma forma algo perversa, parece aceitar o jogo: é que as métricas satisfazem ambos os lados.

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