Invasão russa expôs a “hipocrisia” do Ocidente, acusa a Amnistia Internacional

A reacção rápida e dura à invasão da Ucrânia contrasta com a lentidão e a falta de solidariedade por parte dos países mais ricos perante outras situações semelhantes, diz a ONG.

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Fogo de artilharia ucraniana na região de Bahkmut Reuters/MARKO DJURICA

A invasão russa da Ucrânia demonstrou a “hipocrisia” dos países ocidentais, que se mobilizaram para condenar os abusos cometidos pela Rússia, mas não o fizeram em relação a outras situações idênticas, critica a Amnistia Internacional (AI) no seu relatório anual sobre o estado da defesa dos direitos humanos no mundo.

A organização não governamental saúda a reacção à invasão, destacando a imposição de sanções económicas à Rússia, o apoio militar dado à Ucrânia, a abertura de uma investigação pelo Tribunal Penal Internacional para apurar crimes de guerra e a condenação na Assembleia Geral da ONU à ofensiva de Moscovo.

No entanto, considera a AI, a resposta dura e rápida à agressão russa não é o padrão típico da coordenação da comunidade internacional perante violações de direitos humanos, como acontece em países como a Birmânia ou a Etiópia.

Na Birmânia, o Exército derrubou o primeiro governo civil do país em Fevereiro de 2021 e, desde então, os movimentos pró-democráticos têm sido fortemente reprimidos. A Etiópia lançou no final de 2020 uma ofensiva militar contra os rebeldes da região do Tigré, onde há relatos de massacres e outras violações graves de direitos humanos.

A Amnistia cita ainda o “silêncio” de grande parte dos países ocidentais em relação ao estado dos direitos humanos na Arábia Saudita e no Egipto e a “recusa em enfrentar o sistema de apartheid em Israel contra os palestinianos”. A própria conduta da Rússia passou vários anos sem merecer uma resposta robusta por parte do Ocidente, diz a AI.

“Tivesse o sistema funcionado para responsabilizar a Rússia pelos seus crimes documentados na Tchetchénia e na Síria e milhares de vidas teriam sido salvas na altura e agora na Ucrânia e noutros locais”, afirmou a secretária-geral da AI, Agnès Callamard.

“Se a guerra de agressão da Rússia prova alguma coisa para o futuro do mundo é a importância de uma ordem internacional baseada em regras eficazes e consistentemente aplicadas”, acrescentou.

A Amnistia também chama a atenção para a forma como a União Europeia conseguiu coordenar a abertura de fronteiras para acolher milhões de ucranianos que fugiram à guerra nos primeiros meses do conflito, enquanto continua a dificultar a entrada de pessoas que também fogem de guerras, regimes ditatoriais e perseguições, como na Síria, Afeganistão e Líbia.

“As respostas à invasão russa da Ucrânia mostraram-nos aquilo que pode ser alcançado quando existe vontade política”, afirmou Callamard. “Assistimos a condenação global, investigação de crimes e fronteiras abriram-se aos refugiados. Esta resposta deve ser o roteiro para a forma como devemos lidar com violações maciças dos direitos humanos”, acrescentou.

O relatório refere ainda algumas circunstâncias específicas em que a situação se degradou no último ano, como é o caso dos palestinianos na Cisjordânia, em que se registou o ano com maior número de mortos às mãos das forças de segurança israelitas desde que as Nações Unidas começaram a contabilizá-los.

A situação das mulheres em grande parte do mundo também piorou, como nos EUA, na sequência da reversão pelo Supremo Tribunal do direito ao aborto, ou no Irão, onde a morte da jovem Mahsa Amini pela chamada “polícia da moralidade” expôs os abusos sofridos pelas iranianas, que têm protagonizado grandes manifestações contra o regime.

A Amnistia recomenda uma reforma do sistema multilateral internacional, com destaque para o Conselho de Segurança da ONU. “Não podemos permitir que os membros permanentes do Conselho de Segurança continuem a usar o seu poder de veto e a abusar dos seus privilégios sem qualquer consequência”, afirmou Callamard, que durante mais de três anos, entre 2017 e 2021, foi a enviada especial para as execuções extrajudiciais da ONU.

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