Eduardo Lourenço recordado em colóquio na Gulbenkian

No ano em que se comemora o centenário de nascimento do maior ensaísta português do século XX, especialistas na sua obra e amigos reúnem-se em homenagem: colóquio, exposição e concerto.

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Eduardo Lourenço fotografado em 2017 na Fundação Calouste Gulbenkian Nuno Ferreira Santos

O colóquio comemorativo do centenário do nascimento de Eduardo Lourenço (1923-2020) acontece esta terça-feira, a partir das 9h30, no Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa (com entrada gratuita sujeita à lotação do espaço). Além das conferências e conversas, será inaugurada a exposição Ver é Ser Visto, retratos de Eduardo Lourenço do fotógrafo Vitorino Coragem, e ouvir-se-á no palco do auditório A Noite Transfigurada, de Arnold Schönberg, uma das obras do reportório clássico predilectas do filósofo, ensaísta e professor português, que será interpretada por um sexteto de cordas da Orquestra Gulbenkian (19h).

Eduardo Lourenço, Uma Vida Escrita tem a sessão de abertura a cargo de Guilherme d’Oliveira Martins (9h45), seguido da apresentação pelo comissário Pedro Sepúlveda (10h). “A ideia foi promover conversas com leitores, amigos e especialistas da obra em torno de alguns dos seus temas fundamentais, designadamente a figura mítica de Pessoa, a poesia moderna, Portugal e a relação entre vida e pensamento”, explica ao PÚBLICO o professor e investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa que editou dois dos volumes das Obras Completas de Eduardo Lourenço: Pessoa Revisitado – Crítica Pessoana I (1949-1982) e O Lugar do Anjo – Crítica Pessoana II (1983-2017).

À excepção de uma primeira conferência plenária intitulada Eduardo Lourenço: o sublime encantamento do impensado (10h45), a cargo de Roberto Vecchi, professor catedrático de Literatura Portuguesa e Brasileira na Faculdade de Línguas e Literaturas Estrangeiras da Universidade de Bolonha, o colóquio é constituído por mesas de conversas em torno de tópicos fundamentais.

Além da leitura do texto Eduardo Lourenço, Vislumbre de um Instante pela escritora Lídia Jorge (18h), acontecerá também o lançamento do último volume de As Obras Completas de Eduardo Lourenço intitulado O Labirinto da Saudade e outros Ensaios sobre Cultura, coordenado por João Dionísio que recupera o título de um conhecido ensaio de Eduardo Lourenço mas inclui textos inéditos sobre a cultura portuguesa e outros que tinham sido publicados dispersamente. Esta colecção está a ser publicada pela Fundação Gulbenkian, onde o Prémio Camões 1996 foi administrador não executivo (de 2002 a 2012). Também a editora Gradiva apresentará os livros O Espelho Imaginário - Pintura, Antipintura, Não-pintura e Correspondência - Eduardo Lourenço/Jorge de Sena, que tem organização e notas de Mécia de Sena e reúne as cartas trocadas entre os dois durante 28 anos.

Pessoa, Poesia, Portugal

O colóquio parte da expressão “vida escrita”, que Eduardo Lourenço usou a propósito de Montaigne. O ensaísta português, que morreu em 2020, escreve que Montaigne “‘não sabia quem era e, para o saber, decidiu escrever-se’, tendo convertido ‘o espanto sem fim deste encontro’ com a sua própria existência em ‘vida escrita’”. Para Pedro Sepúlveda, “a expressão 'vida escrita' toca em algo nuclear na obra de Eduardo Lourenço que é a articulação permanente nos seus ensaios entre a experiência pessoal e universal – e o pessoal não deve ser aqui entendido como biográfico, mas refere-se ao cunho pessoal que atravessa toda a escrita de Lourenço e que a distingue nomeadamente da escrita académica e que é absolutamente singular no campo do ensaio em língua portuguesa.”

A primeira conversa será sobre O Mito-Pessoa, com moderação de Richard Zenith, e tem como convidados António Feijó, Rita Patrício e Pedro Sepúlveda (11h30). Há duas fases na escrita de Eduardo Lourenço sobre Pessoa (os seus ensaios sobre o tema totalizam mais de mil páginas). “Num primeiro momento podemos situar os ensaios anteriores e posteriores a Pessoa Revisitado, o seu principal ensaio sobre Pessoa publicado em 1973, em que há uma defesa da singularidade da obra de Pessoa perante críticos que o reduziam a certos pressupostos de diversa ordem. E a partir dos anos 80 o contexto é muito diferente, é a época em que Pessoa se torna uma figura mítica da cultura portuguesa, e a reflexão de Eduardo Lourenço parte de uma grande surpresa a respeito de como é que um poeta tão difícil, que segundo ele abala e questiona fundamentos da nossa existência, se tornou, entretanto, num mito da nossa cultura. Foi de alguma maneira domesticado e familiarizado por esse imaginário cultural.”

Haverá a seguir uma mesa sobre Poesia e Modernidade, com moderação do jornalista do PÚBLICO Luís Miguel Queirós e os académicos Carlos Mendes de Sousa e Joana Matos Frias (14h30). “Eduardo Lourenço colocava a poesia num lugar muito alto, como instância capaz de ler o mundo e de decifrar os seus fundamentos. É a presença constante da poesia moderna, tendo essa capacidade de dar a ler o mundo, que vai interessar”, afirma o comissário do colóquio.

“Não podia faltar uma mesa sobre Portugal”, acrescenta Pedro Sepúlveda, referindo-se à conversa moderada por Clara Caldeira com os académicos João Dionísio e Margarida Calafate Ribeiro, que, com Roberto Vecchi, organizou o volume Do Colonialismo como Nosso Impensado de Lourenço na Gradiva (15h30). “O modo como os mitos que nós partilhámos sobre a nacionalidade, a pátria, formam o nosso olhar sobre o mundo. Essa é uma outra linha muito forte da ensaística de Eduardo Lourenço, a reflexão sobre a mitologia da nacionalidade e o modo como somos formados por essa mitologia.”

A última mesa “dialoga mais proximamente com o mote do colóquio que é a relação entre Vida e Pensamento”, afirma o comissário. Com moderação da colaboradora do PÚBLICO Isabel Lucas, tem como convidados o académico João Tiago Lima e o jornalista José Carlos de Vasconcelos, director do Jornal de Artes Letras e Ideias. “O modo como a experiência pessoal se articula com o universal na ensaística de Eduardo Lourenço e como o seu pensamento se associa a estas duas dimensões. É uma reflexão sobre a sua ensaística e o seu percurso por pessoas que o conheceram bem”, conclui o comissário.

Ver é Ser Visto resultou de uma sessão fotográfica que aconteceu em 2015 no Cais do Funchal, no âmbito do Festival Literário da Madeira. Esta exposição de Vitorino Coragem estará até 11 de Abril na Zona de Congressos da Fundação Calouste Gulbenkian.

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