As perguntas foram incómodas, como frequentemente são as boas perguntas. Em Dezembro, uma repórter da Fox em Washington apontou o microfone ao CEO da Apple, Tim Cook, que se encaminhava para encontros com senadores e congressistas:

– Senhor Cook, apoia o direito do povo chinês a protestar? ​Arrepende-se de restringir o acesso ao airdrop [uma funcionalidade para partilha de ficheiros entre dispositivos da Apple], que os manifestantes usam para contornar a vigilância do Governo chinês? Acha que é problemático fazer negócios com o Partido Comunista Chinês, que suprime os direitos humanos?

Cook seguiu o seu caminho, cabisbaixo, sem hesitações e sem uma palavra.

É possível dizer que o circunspecto executivo da Apple nunca faria comentários improvisados para uma televisão à entrada de uma sala de reuniões, independentemente do que fossem as perguntas.

Mas o certo é que a cena resume bem a postura da Apple e de muitas outras empresas ocidentais, que têm na China um mercado importante e, sobretudo, que dependem da enorme capacidade de manufactura chinesa para fabricarem os seus produtos. "Designed in California, Made in China" é o modus operandi da Apple há anos, sem que os consumidores sequer pestanejem e Cook, que está na Apple desde 1998 e cujo primeiro trabalho na empresa foi precisamente reformular as cadeias de produção, sabe melhor do que ninguém que a Apple não se pode dar ao luxo de irritar Pequim.

Tim Cook está agora na China, onde participou num fórum de alto nível (que o Financial Times descreve como o Davos chinês) e onde também se encontrou com o ministro do Comércio. Durante esta visita, o executivo americano foi mais prolífico nas palavras: "Não podíamos estar mais entusiasmados. A Apple e a China (...) cresceram juntas e por isso esta tem sido uma relação simbiótica". É verdade: a Apple renasceu das cinzas no final da década de 1990 para se tornar, nos anos seguintes, numa das mais importantes empresas do mundo; pela mesma altura, a economia chinesa ganhava um enorme fôlego, na sequência da adesão, em 2001, à Organização Mundial do Comércio. 

Numa altura de tensão nas relações sino-americanas, já foi notado o contraste entre a visita de Cook e a recente audição hostil do CEO do TikTok, Shou Zi Chew​, por parte dos legisladores nos EUA.

A Apple é particularmente dependente da China, mais do que as outras grandes tecnológicas americanas, pela razão simples de que é a única cujo principal negócio é vender dispositivos electrónicos, que requerem montagem em gigantescas cadeias de produção. O negócio da Microsoft, por exemplo, assenta sobretudo em software. A Amazon tem uma presença muito pequena na China, onde outras lojas online, com ecossistemas de compras e pagamentos próprios, captaram os renminbi dos consumidores. A Alphabet vive de anúncios online, num negócio que é muito mais ocidentalizado. A Uber acabou mesmo por assumir a derrota e deixar o mercado chinês.

A "relação simbiótica" pode explicar a postura de Cook. Mas a empresa americana está a tentar diversificar os países de origem dos seus produtos.

A principal aposta é a Índia (que, apesar das falhas, sempre fica uns bons lugares acima no ranking da democracia). No ano passado, e pela primeira vez, a Apple produziu na Índia o seu iPhone topo de gama. O ministro do Comércio e Indústria adiantou que a multinacional já fabrica 5% a 7% dos seus produtos naquele país, e que pretende aumentar essa quota para 25%. (A Índia, um país importante na produção de carros eléctricos, está também a tentar captar o fabrico de Tesla, mas sem sucesso.) 

Mesmo esta mudança não está inteiramente desligada da China. Aliás, tem ligações a um dos focos da atenção geopolítica nos dias que correm: algumas das fábricas que vão trabalhar na Índia para a Apple são subsidiárias da Foxconn, a conhecida fabricante taiwanesa.

Outro país aliciante para as fábricas que fornecem a Apple é o Vietname, onde já são feitos alguns produtos da marca e onde os salários são ainda mais baixos do que os chineses.

Porém, mesmo que tivesse interesse (que não tem), a Apple não tem hipóteses de reduzir drasticamente a sua dependência da China. Não se criam da noite para o dia enormes complexos fabris que são quase cidades, com toda a logística e competências que isso implica. E Tim Cook não tem outra hipótese que não continuar calado quando jornalistas lhe perguntarem por direitos humanos, e continuar a fazer elogios quando for de visita a Pequim.