Plantas silvestres nativas beneficiam vinha, mas oferta de sementes ainda é pobre

Investigadores estudam os benefícios das plantas herbáceas nativas em vinhas do Douro para favorecer a qualidade das uvas. Mas alertam que o mercado de sementes ainda é quase nulo no país.

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A experiência misturou 17 espécies nativas da área mediterrânica, desde o âmio-vulgar, à papoila-longa, à salva-dos-caminhos, à língua-de-ovelha, até ao trevo-entaçado (na foto) Hans Hillewaert

Pode o sector vitivinícola em Portugal melhorar com a implantação de cobertos vegetais de flores silvestres nativas nas entrelinhas das vinhas? Uma equipa de investigadores do Centro de Biologia Molecular e Ambiental (CBMA) da Universidade do Minho diz que sim e acredita que o mercado das sementes autóctones em Portugal tem procura, mas está ainda por explorar.

As conclusões surgem no âmbito de um projecto-piloto, no valor de 1,5 milhões de euros, promovido pelo programa da União Europeia Interreg Sudoe, que visa dar respostas à erosão progressiva da biodiversidade e à recuperação de solos degradados através do uso de sementes de espécies autóctones. O projecto, que se iniciou em 2020 e termina no final do próximo mês de Abril, reúne instituições de Portugal – além do CBMA, associaram-se o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) e o Instituto Politécnico de Bragança (IPB) , Espanha e França.

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Papoila-longa (Papaver dubium) Valter Jacinto/ Getty Images

O projecto consistiu em dois objectivos: por um lado, impulsionar a sementeira de espécies nativas em vários ambientes, desde jardins, lameiros, pastagens, terrenos agrícolas e vinícolas no sentido de se travar o declínio da biodiversidade em curso e, por outro, criar uma cadeia de valor de sementes de plantas autóctones, associando, desde a produção ao destinatário final, empresas ligadas à restauração ecológica, agricultores e viticultores, até ao cidadão comum.

Para os objectivos da experiência-piloto, que recebeu cerca de 236 mil euros do total da verba, os investigadores decidiram explorar, através de uma colaboração com uma das mais conhecidas empresas nacionais de produção de vinho, a Sogrape, a implantação de cobertos vegetais pela sementeira de plantas nativas nas entrelinhas de um hectare de vinha no Douro.

A experiência, cujos resultados preliminares foram apresentados no passado dia 20 de Março, em Braga, num encontro que contou com presença de especialistas em botânica, recorreu ao uso de um coberto vegetal que misturou 17 espécies nativas da área mediterrânica, desde o âmio-vulgar à papoila-longa, à salva-dos-caminhos, à língua-de-ovelha até ao trevo-entaçado. As espécies obedeceram, desde logo, ao critério de “senescerem logo no final da Primavera”, para “não competirem com a vinha pela água no pico do Verão, prevenindo, em simultâneo, a perda de água no solo”, explica ao PÚBLICO António Teixeira, um dos investigadores do estudo.

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Lingua-de-ovelha (Plantago lanceolata) GettyImages

Após a plantação, acrescenta Hernâni Gerós, outro dos investigadores da experiência-piloto, a mistura de sementes contribuiu para o aparecimento de “organismos predadores de pragas, que podem minimizar a aplicação de pesticidas”, estando ainda por avaliar “o contributo do coberto vegetal na microbiota do solo e da superfície do fruto, ou seja, a diversidade dos microrganismos que habitam no solo e crescem à superfície do fruto”.

Atendendo a que “o processo fermentativo do vinho é conduzido pela microflora que reveste a superfície da uva”, a investigação quer, por isso, demonstrar a eficácia da cobertura vegetal na “qualidade do fruto e do próprio vinho”, acrescenta o investigador. Também ao nível do marketing, refere António Teixeira, os viticultores podem retirar dividendos das sementes de plantas nativas pelo facto de ser uma “mais-valia ter um vinho produzido numa empresa que valoriza a biodiversidade”.

Oferta de autóctones é “muito residual”

As 17 espécies autóctones para a experiência-piloto foram adquiridas em Espanha, exemplo de como em Portugal “a produção e o comércio de sementes de flores silvestres é muito residual” e está “longe de satisfazer as necessidades”. Na elaboração do estado da arte para o estudo, os investigadores encontraram “muitas empresas interessadas” no mercado de sementes de plantas nativas, mas concluíram que não existe um “sector suficientemente forte para produzir sementes de um modo mais intensivo e rotinado”.

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Salva-dos-caminhos (Salvia verbenaca) - Valter Jacinto/Getty Images

Em Portugal, estão identificadas mais de 4000 espécies de plantas autóctones, 400 das quais com “potencial agro-alimentar, ornamental e paisagístico”, explicou, na conferência em Braga, João Gomes, proprietário da Sementes Portugal, empresa especializada na comercialização de plantas nativas. O empresário assinala, porém, que entidades como o ICNF restringem o mercado: “O ICNF exige a renaturalização de terrenos com espécies autóctones, mas ao mesmo tempo não permite que se colha um grama de sementes em áreas protegidas.”

Em países como Alemanha, Suíça, Holanda ou França, o comércio de sementes de plantas nativas “já existe há muito tempo”, porque, sublinha António Teixeira, “há imensa necessidade de restaurar ecossistemas degradados, como minas, separadores de auto-estradas, pistas de ski, ou jardins urbanos com recurso a plantas nativas que favorecem a biodiversidade”.

Em Portugal, alerta o investigador, o espaço urbano é muito idêntico, com “plantas muito semelhantes e a relva muito aparada”. “Isso não traz biodiversidade, da qual resulta a atracção de borboletas, joaninhas ou abelhas. O embelezamento dos parques não é necessariamente mau, mas é necessário deixar que as plantas cresçam e produzam sementes para as gerações seguintes” acrescenta.

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Âmio vulgar (Ammi majus) Dorit Bar-Zakay/Getty Images

Também a recuperação das áreas ardidas pelos incêndios é outra dimensão que pode ser favorecida pela reconstrução da flora autóctone. Os critérios das faixas de gestão de combustível por desmatação, explanados no Decreto-Lei n.º 82/2021 com vista à prevenção do impacto dos fogos rurais, terá causado, lembrou João Gomes, um forte impacto negativo sobre a biodiversidade. Aqui, a resposta do projecto do CBMA aponta para a possibilidade de “recuperar a biodiversidade com plantas nativas” na renaturalização das áreas de incêndio, assinala António Teixeira.

Sobre a erosão da biodiversidade em Portugal o investigador salvaguarda ainda que o abandono de práticas como a agricultura tradicional e consequente pastorícia de montanha, ou das queimas controladas também resultaram em “desertificação e perda de biodiversidade”. “A Suíça, por exemplo, já está numa fase de estética. Os agricultores são obrigados a deixar 8% do seu terreno agrícola para plantas autóctones, algo que Portugal poderia implementar”, refere.

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