O crescimento das apostas online é “preocupante”. “Quanto mais jovens, mais em risco estão”

Para o psicólogo Pedro Hubert, o número de jovens portugueses a apostar online preocupa. Para combater o problema, é preciso criar linhas de apoio, sensibilizar jovens nas escolas e rever a legislação

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Pedro Hubert defende a aposta na prevenção primária para mitigar o problema do vício em apostas João Silva

Um quinto dos jovens de 18 anos em Portugal já fez apostas online. Destes, 9% jogam seis ou mais horas por dia. Estas são algumas conclusões de um estudo do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) do Ministério da Saúde. Pedro Hubert, psicólogo e técnico de aconselhamento em adições na área do jogo patológico, considera que os números apresentados pelo estudo demonstram um problema e defende que a solução pode passar pela prevenção primária. No entanto, não põe de parte a necessidade de haver um esforço governamental maior.

Um em cada cinco jovens de 18 anos faz apostas online. É um número preocupante?
Sem dúvida. Apesar de ser a idade legal para jogar, as pessoas são muito jovens. Ainda que a maior parte dos jovens que joga não tenha predisposição, nem vá ter problemas de jogo, há aqui uma percentagem de pessoas em risco. E quanto mais jovens são, mais em risco estão. Há uma função mental de controlo dos impulsos que só está definitivamente formada lá para os 22, 23 anos.

Segundo o mesmo estudo, 9% dos jovens que apostam online jogam seis horas por dia ou mais.
É, de facto, muito tempo e pode preencher já um critério de diagnóstico, de perturbação de jogo.

Quais são os critérios para considerar que um jogador tem um comportamento patológico?
Tenha 18 anos ou 30, são os mesmos. Síndrome de abstinência, ou seja, se se quer jogar e não se pode, fica-se irritado, deprimido, chateado; síndrome de tolerância, que é ir aumentando a intensidade da aposta e a quantidade de tempo que se passa a jogar; troca de prioridades, ou seja, em vez de estudar ou de trabalhar como deve ser, passar muito tempo a jogar; prejudicar relações significativas, seja com o pai, com a namorada, com os amigos; sempre que se começa a jogar, acabar por perder o controlo, dizer que se vai jogar uma hora e acabar por jogar três ou quatro, ou que se vai gastar dez euros e acabar por gastar 20 ou 30.

Há mais critérios, mas se preencher estes quatro ou cinco já se pode dizer que a pessoa tem uma perturbação de jogo ou jogo patológico.

Os rapazes com escolaridade até ao 9.º ano são os que mais referem apostar online. Muitos destes não trabalham, como sustentam este hábito?
Há um estudo da Gambling Comission, feito numa população dos 11 aos 16 anos, que diz que quase 50% destes jovens que jogavam faziam-no para ganhar dinheiro e com dinheiro dado pelos pais e a conivência dos familiares. Apesar de saberem que não deviam estar a jogar por serem menores, [os familiares] deixavam-nos jogar.

Desde 2019, o número de jovens a jogar seis ou mais horas diminuiu, mas diminuiu menos em pessoas com escolaridade inferior ao ensino superior. Existe alguma relação?
O jogo deve ser encarado como um divertimento, como algo recreativo. E as pessoas que, se calhar, têm menos dinheiro e já trabalham muitas vezes encaram o jogo como uma forma extra de rendimento, onde até podem vir a ser profissionais e a ganhar mais dinheiro, além do ordenado. Por vezes, até ganham ao princípio, fica aquela coisa de “eu consigo ganhar, eu consigo ganhar”, e, a partir daí, pode desenvolver-se a dependência.

O que pode ser feito para contrariar este problema?
Há um esforço muito grande de prevenção primária a ser feito. Começar pelas escolas, falar que o jogo é algo recreativo, que as probabilidades estão a favor da casa, que tem de haver mais controlo dos menores e das pessoas que estão auto-excluídas. Tem de haver alguma contenção na publicidade, em especial na Internet, e deveria haver mais linhas de apoio. E mais investigação.

Está tudo por fazer, praticamente, em Portugal. Mesmo as instituições do Estado, que se esforçam por fazer muito, têm muito poucos meios para alterar isto. E seria importantíssimo rever a legislação, no sentido de atribuir mais dinheiro para mitigar o problema do jogo. Se não se fizer nada, pode vir a ser mais grave no futuro.

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