Conferência da Água: quase 700 compromissos para correr atrás do prejuízo

Na cerimónia de encerramento da Conferência da Água, António Guterres alertou que “a água precisa de estar no centro da agenda política global”. O tema tem que deixar de ser tabu na conversa do clima.

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A Conferência da Água teve lugar em Nova Iorque entre 22 e 24 de Março Reuters/CAITLIN OCHS

A Conferência da Água das Nações Unidas encerrou esta sexta-feira com a apresentação da Agenda de Acção para a Água, que reuniu 689 compromissos de acção apresentados por governos, empresas privadas e organizações não-governamentais para levar mais longe - e sem deixar ninguém para trás - o acesso a água potável e ao saneamento.

“Esta conferência demonstrou uma verdade central: como o bem comum global mais precioso da humanidade, a água une-nos a todos. E flui através de uma série de desafios globais”, afirmou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, na cerimónia de encerramento da conferência. “É por isso que a água precisa de estar no centro da agenda política global: todas as esperanças da humanidade para o futuro dependem, de alguma forma, de traçar um novo rumo para gerir e conservar de forma sustentável a água para as pessoas hoje e amanhã.”

António Guterres afirmou ainda que estava “sob consideração” a recomendação da nomeação de um enviado especial da ONU para a Água, repetida por várias delegações nos três dias da conferência e que foi também objecto de uma carta subscrita por 149 países em Setembro do ano passado. Esta figura reportará directamente ao secretário-geral da ONU.

O secretário-geral das Nações Unidas voltou a sublinhar que são precisos compromissos inovadores, inclusivos e orientados para os resultados” para colocar a água e o saneamento ao alcance de todas as pessoas no planeta. “As nossas esperanças para o futuro dependem de encontrarmos um caminho com base na ciência para trazer à vida a Agenda para a Água”, afirmou António Guterres.

Quem espera...

A esperança manifestada por várias vozes é que a Agenda de Acção para a Água (para já apenas um conjunto de promessas voluntárias) desagúe em compromissos obrigatórios na COP28, em Novembro, no Dubai - mas, para isso, é preciso que a organização da conferência, que cabe aos Emirados Árabes Unidos, coloque esse tema em destaque na agenda de cada um dos pontos em negociação.

Apesar de muitos dos impactos das alterações climáticas se sentirem através de fenómenos relacionados com água - cheias e secas, em particular - foi apenas na COP27, no ano passado, que pela primeira vez houve um “dia da água” e o tema entrou, oficialmente, no compromisso final entre os países.

Na caixinha de desejos desta Conferência da Água fica também a expansão, num prazo de cinco anos, dos sistemas de alerta precoce de desastres ambientais, que implicará uma maior esforço de coordenação entre entidades meteorológicas e, acima de tudo, apoio a alguns países na recolha de dados de qualidade para fazer essa monitorização.

Compromissos voluntários

Em que consistem, afinal, os compromissos da Agenda de Acção para a Água? O presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, Csaba Kőrösi, reconheceu que a Agenda para a Água “não é um documento vinculativo, mas ainda assim é um virar de página da história”. Ao todo, indicou o húngaro na sessão de encerramento da Conferência, foram prometidos investimentos no total de 300 mil milhões de dólares, que têm o "potencial" de gerar "um bilião de dólares em ganhos sociais, económicos e nos ecossistemas".

Alguns países comprometeram-se com grandes investimentos financeiros: os Estados Unidos anunciaram que vão investir até 49 mil milhões de dólares (cerca de 45,5 mil milhões de euros) nos próximos anos em infra-estruturas e serviços hídricos resilientes às alterações climáticas, além de 700 milhões de dólares (650 milhões de euros) para a Global Water Strategy, através da qual o país apoia 22 países.

Da Europa, saem compromissos como o da Dinamarca, que pretende investir mais de 400 milhões de dólares (370 milhões de euros) para melhorar a gestão e desenvolvimento de águas transfronteiriças em África, ou o do Reino Unido, que anunciou 18,5 milhões de libras (20 milhões de euros) para uma nova iniciativa com foco em sistemas de acesso à água, saneamento e higiene. O ministro do Ambiente português, Duarte Cordeiro, anunciou que Portugal pretende criar uma coligação global para melhores políticas e regulação de água e saneamento.

Para outros países, o investimento será também interno: a Índia promete 50 mil milhões de dólares para garantir acesso a água potável e todas as famílias rurais até 2030; o Equador vai investir 65 milhões de dólares no seu plano nacional para irrigação e a criação de 21 áreas de conservação de água; a Austrália compromete-se a aumentar os direitos das populações aborígenes à água e promete investir 150 milhões de dólares em infra-estrutura hídrica para garantir acesso seguro e confiável para essas comunidades.

Em declarações à Reuters, o director para a água do World Resources Institute, Charles Iceland, notou que apenas cerca de 30% dos compromissos parece garantir financiamento. “Cada compromisso voluntário tem um sítio onde se fala sobre quanto dinheiro têm disponível, e a maioria deixou esse espaço em branco”, afirmou.

E depois?

A Agenda de Acção para a Água é “apenas” um conjunto de compromissos voluntários - que não é o mesmo que um tratado obrigatório -, mas não significa que não haja esperança de que possam ter um grande impacto. Haverá, nos próximos meses e anos, um conjunto de momentos em que será possível manter a água na agenda internacional.

O primeiro momento será a Cimeira dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, em Setembro deste ano, onde será feito um balanço dos avanços da Agenda 2030, a meio caminho até à sua meta. O relatório sobre o cumprimento do ODS 6, referente ao acesso a água potável e saneamento, será lançado em Julho deste ano.

Segue-se a COP28, no Dubai, em Novembro, que não será um momento oficial de acompanhamento da Agenda da Água, mas onde existe já alguma pressão para que a questão da água seja incluída nas negociações.

O grande momento que se segue é a Cimeira do Futuro, em Setembro de 2024, convocada pelo secretário-geral das Nações Unidas aquando da publicação do relatório “Nossa Agenda Comum”, celebrando 75 anos da ONU. Já em 2025, espera-se a reflexão sobre um “contrato social renovado” com a Cimeira Mundial Social.

Notícia actualizada a 25 de Março

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