Quais as consequências da indeterminabilidade do objeto de um contrato

Num contrato onde se propõe fornecer serviços de desenvolvimento pessoal não será possível, por exemplo, determinar quando é que o prestador de serviços incumpriu o serviço prestado.

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Um negócio jurídico com objeto indeterminado mas determinável é um negócio válido Pixabay/Pexels

Dispõe o artigo 280.º n.º 1 do Código Civil: “É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.”

A redação deste artigo levanta a questão de saber o que deve ser considerado como objeto indeterminável, isto porque, muitas vezes, se celebram contratos com objeto indeterminado, sendo que estas duas realidades — indeterminável e indeterminado — são distintas e conduzem a consequências jurídicas diferentes.

Enquanto um negócio jurídico com objeto indeterminado mas determinável é um negócio válido, na medida em que se é certo que à data da celebração do contrato o objeto não está concretamente identificado, daí ser indeterminado, também é certo que o mesmo é concretizável, em momento posterior ao da celebração do contrato.

Um caso de um contrato com objeto indeterminado mas determinável será a encomenda de dez caixas de vinho, sem identificar as características do vinho como, por exemplo, a marca ou se se trata de vinho branco ou tinto sendo perfeitamente possível, no momento do cumprimento do contrato, concretizar o objeto determinando-se a marca do vinho e se o vinho é branco ou tinto.

Diferente será a situação dos contratos cujo objeto é indeterminado e indeterminável, ou seja, em que não exista um critério que permita, após a celebração do contrato, proceder à sua determinação. Nesta situação, o contrato é nulo. Será o caso de um contrato, em que na definição do seu objeto são utilizados conceitos abstratos que, do ponto de vista jurídico, se mostram inconcretizáveis e imaterializáveis.

Por exemplo, imagine-se uma situação que atualmente se apresenta frequente, nomeadamente, nas redes sociais, que leve à celebração de um contrato de prestação de serviços em que, como contrapartida do pagamento de um determinado preço fixo, o prestador de serviços se obriga a fornecer serviços de desenvolvimento pessoal, como sejam estratégias de desbloquear e conquistar sucesso para a vida, pessoal e profissional, identificando e removendo bloqueios que impedem a obtenção de abundância e o sucesso.

Este contrato é nulo porque o seu objeto é indeterminado e indeterminável, na medida em que não é material ou juridicamente possível fornecer ferramentas que permitam a uma pessoa ter sucesso ao longo da vida, em todas as suas vertentes, pelo que o objeto do negócio assim celebrado é física e legalmente impossível, não se podendo concretizar qual a efetiva prestação a que o prestador de serviços está obrigado.

Porque o objeto de um contrato destes é indeterminado e indeterminável, a verdade é que se torna impossível a aplicação ao mesmo das regras legais aplicáveis à generalidade dos contratos, como seja, as regras relativas ao incumprimento, à mora, etc..

Num contrato destes não será possível, por exemplo, determinar quando é que o prestador de serviços incumpriu o serviço prestado se quem contratou o serviço não alcançar a abundância e o sucesso que esperava.

Assim, num caso destes, quem pagou estes serviços pode requerer a declaração judicial de nulidade do contrato, pelas razões supra, exigindo a devolução do dinheiro que pagou, sem que tenha que restituir o que quer que seja à contraparte, pois, de acordo com o artigo 289.º n.º 1 do Código Civil, a declaração de nulidade retroage os seus efeitos à data da celebração do contrato entre as partes, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, equivalendo tal a dizer que, no exemplo dado, deverá ser restituído o dinheiro pago e, não sendo possível a restituição em espécie da prestação do prestador de serviços, deveria ser restituído o valor correspondente contudo, no caso supra referido, por a prestação em causa ser indeterminável, não é possível atribuir-se-lhe um valor, pelo que, do lado de quem contratou os serviços, nada tem a restituir.


As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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