Uma exposição no MAAT para repensar a sociedade do plástico descartável

Mostrar “o declínio, os problemas e as promessas do plástico” é o objectivo da exposição que pode ser vista até Agosto, em Lisboa. Conta-nos a história deste material resistente, mas insustentável.

#MAM Maria Abranches - 21 de Março 2023 -  Exposição Plástico: Reconstruir o Nosso Mundo, conduzida pela curadora Anniina Koivu, MAAT, Lisboa.
Fotogaleria
Uma das perguntas feitas pela curadora Anniina Koivu na exposição do MAAT foi: "Quantos brinquedos de madeira tiveram na vossa infância?". Nos últimos anos, o plástico é o principal material usado em brinquedos Maria Abranches
#MAM Maria Abranches - 21 de Março 2023 -  Exposição Plástico: Reconstruir o Nosso Mundo, conduzida pela curadora Anniina Koivu, MAAT, Lisboa.
Fotogaleria
A exposição mostra a história, o estado actual e as possíveis soluções em torno do plástico Maria Abranches
#MAM Maria Abranches - 21 de Março 2023 -  Exposição Plástico: Reconstruir o Nosso Mundo, conduzida pela curadora Anniina Koivu, MAAT, Lisboa.
Fotogaleria
Os plásticos são usados em brinquedos, sapatilhas, aviões, óculos... em muitos objectos do nosso dia-a-dia, como mostra a exposição Maria Abranches
#MAM Maria Abranches - 21 de Março 2023 -  Exposição Plástico: Reconstruir o Nosso Mundo, conduzida pela curadora Anniina Koivu, MAAT, Lisboa.
Fotogaleria
Há uma parte da exposição dedicada às soluções para o uso insustentável que fazemos do plástico (sobretudo descartável) Maria Abranches

Se olharmos em nosso redor, o plástico está em quase todo o lado: no computador, nos óculos, nas embalagens de alimentos, nas garrafas, nas cadeiras, nos meios de transporte (mesmo aeroespacial) e nos utensílios médicos. E há produtos de plástico que têm uma vida útil de uns meros segundos a partir do momento em que chegam às mãos de quem o compra. Alguns são indispensáveis, mas muito do plástico é descartável – e a sua produção tem crescido em milhões e milhões ao longo dos últimos anos. “Inventamos algo maravilhoso, até ao ponto em que atinge um extremo. E aí o ciclo pára e temos de procurar novamente uma alternativa”, explica ao PÚBLICO Anniina Koivu, curadora de uma exposição no Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT), em Lisboa, feita para repensarmos a utilização do plástico e a nossa dependência dele.

O plástico atingiu uma dimensão quase ubíqua, danosa para o ambiente. É um símbolo duradouro, mas descartável. E é também isso que, a partir desta quarta-feira, e até 28 de Agosto, nos mostra Plástico. Reconstruir o Nosso Mundo: a ascensão deste material controverso ao longo dos últimos 150 anos, através de 400 peças. Os plásticos foram e são importantes em áreas como a medicina, a alimentação, a construção e a indústria aeroespacial, algo que aqui se torna evidente. Há meias de nylon, visores de aviões, a maquete de uma casa construída com plástico (Monsanto House of the Future), capacetes, brinquedos coloridos, ou até tupperwares.

Foto
Maquete da casa com estrutura feita unicamente de plástico, em exposição no MAAT Maria Abranches

Antes da aparição do plástico, também já se adivinhava um uso insustentável dos recursos naturais: a guta-percha, por exemplo, um material natural parecido com a borracha, era obtida através da seiva de uma árvore e usada no isolamento de cabos telegráficos. Só que “era necessário abater um milhão de árvores por cada 20 quilómetros de cabo”, lê-se na parte inicial da exposição. No final do século XIX, já quase não havia exemplares de Palaquium gutta no Sudeste Asiático.

“O plástico foi inventado e criado como alternativa a materiais naturais”, começa por esclarecer Anninna Koivu enquanto guia a imprensa pelo museu. Ironicamente, este material “foi inicialmente visto" como uma forma de evitar "a exploração de recursos”, continua a curadora. Antes dele, usava-se marfim, borracha, chifres, conchas de tartarugas, goma-laca – e alguns dos produtos criados através destes materiais podem ser contemplados na primeira parte da exposição.

Foto
Foto

Até que, no início do século XX, se deu uma revolução, quando se inventou a baquelite. Trata-se do primeiro plástico inteiramente sintético, que foi usado sobretudo em tons escuros para fazer rádios e gramofones, por exemplo. “Pela primeira vez podia-se verter um líquido e vê-lo ganhar forma”, explica a curadora. Tornou-se um material valioso. Para os criadores, abria-se uma nova era de “liberdade”, um manancial de novas formas e feitios.

Uma cadeira famosa

Falamos em plástico de forma genérica, mas trata-se de uma categoria abrangente sob a qual se abrigam muitos materiais diferentes – uns mais fáceis de reciclar do que outros, uns mais perigosos do que outros. Nesta exposição, há também um olhar atento ao design dos objectos. Porque a função de um designer também é “criar objectos reutilizáveis, reparáveis”, dizem-nos dois dos curadores.

Foto
Maria Abranches

Há um objecto de plástico que é útil nesta lógica: a cadeira branca de plástico desenhada por Henry Massonnet em 1972 é uma das mais conhecidas e mais usadas em todo o mundo. Segundo se lê na exposição, é produzida a partir de um só material e cada exemplar é fabricado em dois minutos, através de moldagem por injecção. Chama-se Monobloc e foi vendida milhares de milhões de vezes. “Mas não foi pensada para ser reparada”, nota Anniina Koivu.

Em Plástico. Reconstruir o Nosso Mundo, a cadeira funciona simultaneamente como peça de exposição e como objecto em que nos podemos sentar para ver um vídeo sobre a história dessa mesma cadeira. De resto, houve uma tentativa para evitar os plásticos (à excepção dos que estão expostos): os expositores são de madeira e de vidro, nalguns casos de acrílico reciclado. Já os textos foram impressos em papel reciclado. Ainda assim, não usar plásticos em alguns componentes foi tarefa impossível.

Foto
A curadora Anniina Koivu e o designer Daniel Caramelo numa conversa sobre o plástico a 16 de Março de 2023, na Central Tejo, em Lisboa Nuno Ferreira Santos

Muitos destes compostos (como o polietileno e o nylon) foram criados e desenvolvidos em grande escala durante a Segunda Guerra Mundial, para serem usados no fabrico de armas, aviões, capacetes, cordas e pára-quedas.

Alguns anos mais tarde, as cores deram um novo mundo ao plástico. Que passou a ser visto como um material higiénico, fácil de usar, que poupava tempo. O símbolo de uma “nova cultura descartável” – incentivado e visto como positivo, refere Anninna Koivu. Mas os avisos não tardaram a chegar. Os cientistas diziam – como ainda dizem – que o ritmo de produção e de uso deste nosso coabitante não é sustentável, que o petróleo e os recursos não são infinitos, e que tudo isto tem um preço.

Foto
Exposição Plástico: Reconstruir o Nosso Mundo, no MAAT Maria Abranches

Concebida na pandemia

Plástico. Reconstruir o Nosso Mundo resulta de uma co-produção entre o MAAT, o Vitra Design Museum (na Alemanha) e o V&A Dundee (na Escócia), e já pôde ser visitada nesses museus antes de chegar a Lisboa. E é também um fruto da pandemia e do teletrabalho: começou a ser pensada durante os confinamentos da covid-19, através de debates por videochamada. Só na primeira inauguração os sete comissários que a prepararam conseguiram encontrar-se presencialmente pela primeira vez.

O curador Jochen Eisenbrand diz ao PÚBLICO que um dos objectivos da exposição é mostrar “o declínio, os problemas e as promessas do plástico”, analisando-o enquanto material. “Queremos mostrar os problemas que enfrenta agora, com a crise de poluição dos plásticos, mas também que soluções existem actualmente”, diz este curador-chefe do Vitra Design Museum localizado em Weil am Rhein, na Alemanha, mesmo junto à fronteira com a Suíça. Olhar para a história do plástico – e para o modo como se tornou insustentável em certas áreas, ainda mais por ser feito a partir de combustíveis fósseis, diz – é também importante para “um melhor entendimento de como chegámos a este ponto”.

A exposição começa com um prelúdio: uma primeira sala de vídeo justapõe o início da vida microscópica na Terra – projectado num ecrã, de um lado, numa sala escura com bancos no meio – e o ciclo infindável do uso do plástico, como uma linha de montagem em que este material tudo envolve. Uma maquinaria bem oleada e plastificada até que se fecha o ciclo e somos confrontados com os microplásticos que ficam à deriva no oceano – projectados no ecrã do outro lado.

Foto
A sala de vídeo na entrada da exposição Maria Abranches

Depois, os elementos estão dispostos em três partes. Conhecemos a história e os antecessores naturais do plástico, a explosão deste material e o seu uso incessável. Por fim, vemos um reflexo do ponto da situação actual e das possíveis soluções para o problema em plena crise climática, acompanhado de gráficos e dados sobre o uso de plástico na Terra. Os gráficos deixam em evidência a curva ascendente na produção mundial de plástico, e mostram também os sectores que mais o utilizam e a percentagem que é reciclada por todo o mundo (muito pouco e insuficiente).

Há também uma máquina que transforma pequenos pedaços de plástico em novos objectos, através de um molde. Colheres, cabides, réguas e ganchos poderão ser fabricados no MAAT até 28 de Agosto.

Foto
Os moldes disponíveis para serem usados durante a exposição Maria Abranches

Para a curadora finlandesa, nada é preto no branco. “Uma das coisas de que gosto muito na exposição é que nos mostra que há plástico bom e há plástico mau”, comenta Anniina Koivu com o PÚBLICO. “Há plástico de uma qualidade incrível, é impressionante, e que consegue tornar a nossa vida mais fácil – ou, em certos casos, possível. Mas depois há muito plástico mau, de má qualidade, e é desse que temos de nos livrar.”

Problemas e avisos

Os avisos sobre o uso insustentável do plástico têm-se multiplicado ao longo dos anos. A produção deste material deixa uma pegada ambiental gigantesca, mas não dá sinais de abrandamento. Sabemos que os plásticos já foram bem longe: foram encontrados no fundo do mar e no interior do corpo humano. E os seus impactos no ambiente são inegáveis. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, a cada minuto é despejado no oceano o equivalente a um camião de lixo cheio de plástico.

Foto
Todos os anos são produzidos milhões de toneladas de plástico Maria Abranches

A maior parte da poluição marinha corresponde mesmo a plástico: um estudo publicado este mês na revista científica Plos One mostra que, em 2005, havia 220 mil toneladas de plástico à superfície dos oceanos; em 2019, esse valor ascendia já a 2,3 milhões de toneladas. A maior parte do plástico não é descartado devidamente nem é reciclado – o que só amplia este flagelo literalmente à deriva. O problema é tão grave que está a ser definido um tratado mundial para o plástico, que terá de ficar pronto até 2024.

Mas não é difícil perceber a sua popularidade: trata-se de um material moldável, resistente, barato – razão por que se tornou um problema ambiental. A resistência do plástico faz com que permaneça milhares de anos nos nossos ecossistemas, o seu baixo custo ajuda a que seja produzido em massa sem que se pense muito nisso. “O material não é respeitado”, resumiu o designer Daniel Caramelo numa conversa que antecedeu a exposição, no Museu da Electricidade, em Lisboa.

Mudar esta dependência do plástico envolve “repensar todas as atitudes que temos” e implica que se perca “alguma conveniência no dia-a-dia”, refere Daniel Caramelo. E tem de ser uma mudança pensada e repensada. Há plástico que faz sentido usar e há casos em que o plástico é mesmo o material mais adequado. Mas tal não se aplica ao plástico descartável.

Foto
O último espaço da exposição, dedicado às soluções e alternativas ao plástico Maria Abranches

A curadora Anniina Koivu não parece ter dúvidas de que a situação actual é insustentável: “Não está a funcionar”, diz ao PÚBLICO. No Ocidente ainda temos escolha, aponta, mas há quem não tenha. “E os que não têm são aqueles que estão a ser inundados com os nossos resíduos. Isso tem de mudar.”

Soluções? Além das máximas de reduzir, reutilizar, reciclar, refazer, repensar, há que pensar em alternativas e que forçar a mudança. “Tem de haver legislação, tem de ser a indústria a dizer que não – e nós também”, defende Anniina Koivu, esperando que esta exposição sirva de gatilho para a reflexão. “Temos de nos perguntar a nós próprios que preço estamos dispostos a pagar.”

Sugerir correcção
Ler 4 comentários