É possível (e desejável) evitar nova greve dos médicos

Decorreram seis meses passados desde a constituição desta nova equipa ministerial e o Governo tem dificuldades em promover mudanças como repristinar o estatuto de dedicação exclusiva no SNS.

O ministro da Saúde, antes e depois da greve dos médicos de 8 e 9 de março, afirmou ser possível encontrar "pontos de consenso suficientes" nas negociações para evitar mais greves.

É verdade, existem "muitas plataformas de entendimento" para se renovar e revitalizar o Serviço Nacional de Saúde (SNS), para que essas formas de luta não sejam necessárias. Basta, para isso, implementar o programa do Governo, assumindo o ministro da Saúde uma liderança política que clarifique a estratégia na saúde para transformar de vez o SNS.

Infelizmente, os médicos têm razão no protesto e luta por melhores condições de trabalho (carreira) e remuneração digna.

Estamos em março, seis meses passados desde a constituição desta nova equipa ministerial, e o Governo tem dificuldades em promover mudanças que criem ruturas como repristinar o estatuto de dedicação exclusiva no SNS.

Só se fala em resolver o problema das urgências de pediatria, das urgências de obstetrícia, em planos temporários e os problemas no SNS avolumam-se pela incapacidade de reter e atrair médicos especialistas e outros profissionais.

A balança entre o sector público e privado está mais inclinada para este último. Há um número crescente de médicos a optar pela dedicação exclusiva na medicina privada, por desinteresse em fazê-lo no público!

Estas medidas estruturais passam por criar condições para atrair e reter os médicos no SNS: a carreira médica deve ter pelo menos mais um grau/categoria, sendo o internato médico o primeiro grau da carreira, introduzindo logo no internato o regime de dedicação exclusiva com prorrogação mínima de três anos de contrato.

Descongelamento imediato da progressão na carreira e a revogação do atual regime de avaliação de desempenho dos médicos, com redução de 18 para 12 horas semanais de trabalho no serviço de urgência e a criação de equipas dedicadas no serviço de urgência e tabela remuneratória própria para esse trabalho.

Fim das quotas para abrir mais Unidades de Saúde Familiar (USF) de modelo B, generalizando o modelo retributivo misto em todas as USF e também na carreira hospitalar, nos Centro de Responsabilidade Integrados (CRI).

Julgo que são justas estas reclamações e possíveis de acordar e implementar ao longo desta legislatura.

É verdade que o sector da saúde pública (SNS) está particularmente bem posicionado para atrair e reter trabalhadores, incluindo médicos. Estes desejam qualidade de vida, equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, uma carreira previsível e flexível com oportunidades de desenvolvimento contínuo, reconhecimento e valorização do trabalho realizado. Os médicos não querem o multiemprego, a precaridade, trabalho extraordinário atrás de trabalho extraordinário e a ausência de uma carreira multicategorial.

Para isso, o ministro da Saúde e o diretor executivo do SNS não se podem continuar a esquecer que estamos num novo mundo do trabalho que requer uma postura inovadora e antecipatória no recrutamento (concursos sempre abertos), no sistema retributivo misto a generalizar aos hospitais e na escolha transparente das lideranças dos serviços, que exige que quem gere superiormente apresente uma estratégia viável, reformista e sustentável.

Por exemplo, onde está a criação de uma Academia de Liderança em Saúde para apoiar o desenvolvimento de competências de liderança dos membros dos órgãos das Unidades Locais de Saúde (ULS), Centros de Saúde e Hospitais fortalecendo a capacidade de liderar, valorizando os trabalhadores, a comunicação, a melhoria dos processos e dos resultados na prestação de cuidados de saúde compatíveis com uma gestão pública eficiente? Não está!

O SNS precisa de reformas urgentes que mobilizem os profissionais. Precisa de lideranças competentes e sem quaisquer conflitos de interesse!

Esta greve médica pode ser um “alerta” de viragem na governação da saúde, ficando claro que o país precisa de um acordo coletivo para a década entre a classe médica e o Governo que passa por uma nova carreira médica, reforçando o SNS,

Mais greves, por falta de capacidade negocial, serão a bomba-relógio que levará o SNS a apagar-se.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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