Milhões de peixes mortos estão a bloquear um rio australiano

Alterações climáticas, má gestão, temperaturas perto dos 40º C. São vários os motivos apontados para explicar o “desastre” de Nova Gales do Sul: há milhões de animais mortos a travar o rio Darling.

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Peixes mortos no rio Darling, na Austrália Graeme McCrabb

Milhões de peixes mortos estão a bloquear um rio no Sudeste da Austrália, revoltando os habitantes locais que têm de suportar o cheiro de carcaças em decomposição, a cobrir a água há vários dias. As autoridades australianas afirmam que as mortes se devem à falta de oxigénio na água, consequência do aumento das temperaturas e das últimas cheias, enquanto os residentes culpam o poder executivo pela má gestão das águas.

"Há peixes mortos por todo o lado", disse este domingo Graeme McCrabb, habitante da cidade de Menindee, no estado de Nova Gales do Sul, descrevendo um cheiro acre no rio Darling que se sente à distância. Entre os peixes mortos estão espécies autóctones como a dourada, o bacalhau de Murray, a perca dourada, a perca prateada e a carpa, enumerou.

O vídeo que filmou a partir do seu barco mostra um denso tapete de carcaças de peixes prateados à superfície da água.

As autoridades australianas tomaram conhecimento do desastre na sexta-feira, reconhecendo "um fenómeno de morte de peixes que está a desenvolver-se em grande escala", deixando milhões de carcaças no rio. O Departamento de Indústria Primárias (DPI) de Nova Gales do Sul culpa os baixos níveis de oxigénio na água, fenómeno designado hipoxia, à medida que as águas das cheias recuam.

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Entre os peixes mortos estão espécies como a dourada, o bacalhau de Murray, a perca dourada, a perca prateada e a carpa. Graeme McCrabb

"O tempo quente que actualmente se sente na região está também a exacerbar a hipoxia, uma vez que a água mais quente contém menos oxigénio do que a água fria, e os peixes precisam de mais oxigénio a temperaturas mais altas", adiantou o departamento, em comunicado, nesta sexta-feira.

Graeme ​McCrabb recordou que já tinham sido registadas nesta mesma zona remota mortes de peixes em grande escala em Dezembro de 2018 e Janeiro de 2019, considerando-as consequência da entrada de água de má qualidade no rio, frequentemente usado para pesca. Mas desta vez, disse McCrabb, o problema é muito mais grave, e os habitantes da cidade estão "irritados e desapontados" por as entidades responsáveis aparentarem não ter aprendido com as anteriores mortes em massa.

"Ninguém estava preparado para o que se viu aqui", disse McCrabb, acrescentando que as autoridades "falharam nas suas funções" de gestão do rio e recolha de dados para ajudar a prevenir tais desastres.

"Se soubermos qual a qualidade da água, boa ou má, podemos tomar decisões mais informadas sobre a forma como o escoamento de água é feito nas bacias hidrográficas e evitar que as águas sujas sigam a corrente e matem os peixes", exemplificou McCrabb.

Estas situações de contaminação da água acontecem "durante as cheias, quando a matéria orgânica é arrastada da margem do rio e do terreno inundado para o leito do rio", de acordo com o departamento responsável pelas águas de Nova Gales do Sul.

O governo regional afirmou ainda que os peixes mortos foram sobretudo arenques, uma espécie em que é habitual que o número de indivíduos tenha picos e quedas.

"Há 'picos' na população da espécie durante a época das cheias, mas pode depois enfrentar um significativo aumento da mortalidade ou uma 'queda' quando os caudais regressam a níveis mais normais", explicou a divisão de actividades piscatórias do DPI. " Também estão mais susceptíveis a problemas ambientais como baixos níveis de oxigénio na água, especialmente sob condições extremas, como as altas temperaturas que se verificam actualmente na zona."

Cameron Lay, responsável pelos ecossistemas de água doce no DPI, descreveu a situação como "muito angustiante" e advertiu que temperaturas superiores a 38 graus Celsius na área podem significar mais dificuldades.

"Isso por si só pode representar um risco contínuo para a qualidade da água e para os peixes autóctones, pelo que faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para monitorizar a situação e utilizar os meios de gestão disponíveis, assegurou, citado pela emissora ABC.

As alterações climáticas estão a provocar a subida da temperatura das águas e a cozinhar animais nos seus próprios habitats, afirmam os especialistas. Muitas espécies estão a sufocar porque a água mais quente não armazena a mesma quantidade de oxigénio.

Um estudo divulgado em 2022 concluiu que, se as emissões de gases com efeito de estufa continuarem a aumentar, cerca de um terço de todos os animais marinhos poderá desaparecer nos próximos 300 anos.

A localização remota da zona onde morreram milhões de peixes, no extremo Oeste do estado da Nova Gales do Sul, apenas agrava o desastre. O manto de peixes em decomposição é visível há pelo menos três dias. "É difícil fazer com que as pessoas cheguem cá rapidamente", lamentou McCrabb. "Se tentar apanhar [os peixes], é provável que os desfaça e acabe por fazer uma sopa de peixe. Não há, de facto, muitas soluções."

Várias agências estão a trabalhar numa resposta ao desastre, garantiu o DPI de Nova Gales do Sul.

O Departamento de Planeamento e Ambiente deste estado australiano reconheceu também "um grande número de mortes de peixes" e reforçou que "os níveis de oxigénio dissolvido na água continuam a ser motivo de preocupação quanto à saúde dos animais".

"A realidade é que o rio Darling está muito doente. Anos de má gestão por parte do governo regional multiplicaram o impacto das alterações climáticas", escreveu no Twitter Rose Jackson, membro da oposição do Parlamento da Nova Gales do Sul com as pastas da Água e da Habitação. O ecossistema "foi levado a um ponto de ruptura".

Este domingo, McCrabb contou que os peixes continuavam a morrer na água — agravando a já monumental perda de vida aquática. "Começámos a registar mais perdas esta tarde", disse, referindo que parte daquele manto de animais mortos começava a avançar para jusante.

E admitiu que são esperadas mais mortes ao longo do rio nos próximos dias: "Estamos a viver uma dor imensa."

Exclusivo PÚBLICO/ The Washington Post

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