O ChatGPT ou como “a melhor forma de prever o futuro é inventá-lo”

A verdadeira disrupção da IA estará em quem compreender que novos modelos de negócio podem surgir com base no seu potencial. Neste aspeto, Portugal até está bem posicionado.

Os modelos massivos de linguagem como o GPT da OpenAI ou o LaMDA da Google estão a gerar grandes expectativas. Estes modelos de aprendizagem automática são capazes de incorporar quantidades impressionantes de informação que depois usam para gerar respostas estatisticamente prováveis. São confundidos com um primeiro passo para uma inteligência artificial (IA) geral, capaz de gerar respostas articuladas que se podem confundir com a inteligência e a criatividade humanas.

Na realidade estes modelos são muito diferentes da forma como os humanos pensam. Nós aprendemos a linguagem e o pensamento lógico a partir de um conjunto ínfimo de dados, quando comparado com os milhares de milhões de parâmetros do GPT 3.5 ou do LaMDA. Mas os modelos não conseguem distinguir o possível do impossível, o moralmente aceitável do inaceitável, apenas a resposta mais provável, mesmo que seja a de que o mundo é plano, que existe uma raça ou um género superior. Ao contrário dos modelos, os humanos são capazes de conjeturar criativamente, mas também de criticar, de articular sobre o improvável e impossível e de ter pensamento moral. Os modelos têm de ser limitados ao pensamento amoral para evitar respostas controversas.

Mas este artigo não é sobre as limitações dos modelos de inteligência artificial, até porque outros, como o meu colega Arlindo de Oliveira, são muito mais competentes para opinar sobre o tema. Recomendo a leitura do recente artigo de Roberts e Chomsky no New York Times "A falsa promessa do ChatGPT”.

O que me motiva é a área em que me especializei que é a interação com as tecnologias digitais. Deste ponto de vista, os serviços que surgem sobre os modelos (ChatGPT, Bard, Bing, etc.) são um objeto de estudo fascinante, porque representam uma potencial nova vaga disruptiva. Será a IA uma revolução igual à computação pessoal nos anos 80, à Internet do final dos anos 90 ou à computação móvel dos anos 2010?

Uma boa forma de compreender o potencial é analisar o que cada uma destas vagas de inovação representou. Não em termos da tecnologia por si, mas da sua adoção e impacto económico e social. A computação pessoal desmaterializou processos e aumentou a produtividade, alterando radicalmente o trabalho administrativo, financeiro e industrial. A Internet e a computação móvel democratizaram o acesso à informação, revolucionando a forma como comunicamos e gerando novos modelos de negócio, do comércio eletrónico ao marketing digital, às redes sociais e à economia colaborativa. Cada uma destas vagas demorou cinco a dez anos a atingir a maturidade da adoção generalizada, muito mais a ter um impacto significativo nas empresas, na organização do trabalho e na sociedade.

O ChatGPT não é diferente das aplicações canónicas das vagas anteriores: da folha de cálculo dos anos 80, dos sítios da Internet dos anos 90 ou das aplicações móveis dos anos 2010. A razão é muito simples: a adoção não é ditada pela tecnologia, mas sim pelas pessoas e organizações que demoram a adaptar-se. O facto de o ChatGPT ter sido o serviço tecnológico que atingiu mais rapidamente 100 milhões de utilizadores diz muito sobre como nós humanos somos fascinados por aplicações conversacionais (e já agora por especulação), mas muito pouco sobre o seu efetivo potencial disruptivo na economia e na sociedade. Basta ver o que aconteceu recentemente com a tecnologia blockchain ou o metaverso.

O impacto dos modelos de IA nos serviços das empresas e organizações será muito diferente da interação com um chatbot. A forma como a Google será capaz de incorporar o LaMDA no seu ecossistema, onde detém um monopólio de conteúdos e dados, será muito mais disruptivo do que o novo Bing da Microsoft. Se se confirmar que o GPT4 suportará multimodalidade (ou seja texto, imagem e vídeo), isso implicará uma mudança radical na forma como interagimos com este tipo de modelos. A forma como já é possível correr o LLaMA da Meta num computador pessoal implicará que a tecnologia poderá estar acessível e qualquer dispositivo em breve.

Em todos estes cenários os chatbots como modelo de interação não são a melhor alternativa.

Como dizia o inventor do computador pessoal, Alan Kay, a melhor forma de prever o futuro é inventá-lo. O ChatGPT está para esta nova vaga de inovação como o navegador do primeiro iPhone que permitiu ter a Internet em todo o lado. É a primeira aplicação que permite antever o potencial que, no caso da computação móvel, deu origem à AirBnB ou à Uber. A verdadeira disrupção da IA estará em quem tiver capacidade para compreender que novos modelos de negócio podem surgir com base no potencial dos modelos.

Neste aspeto, Portugal até está bem posicionado, porque tem várias empresas que dominam a tecnologia de IA e, acima de tudo, compreendem como pode ser um negócio de sucesso (Feedzai, unBabel, Sword Health, entre muitos outros). Portugal tem inclusivamente um dos maiores investimentos PRR em “IA responsável”, pelo que convém tirar partido desta oportunidade. Sem esquecer o aviso de Kate Crawford, de “que a IA não é nem artificial, nem inteligente: é feita de recursos materiais e são as pessoas que executam as tarefas que a fazem parecer autónoma”.

O autor escreve segundo novo acordo ortográfico

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