Caminhos de Santiago são cada vez mais procurados. E a religião não é o único factor

Estudo apresentado nesta terça-feira, em Vigo, dá conta de que, em média, só em 2022, os peregrinos gastaram cerca de 16,5 milhões de euros em Portugal.

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Caminho Português de Santiago Central. Percurso de Barcelos a Valença Nelson Garrido/arquivo

O primeiro contacto de António Devesa com os Caminhos de Santiago foi há apenas 12 anos, mas hoje já experimentou quase todos os itinerários. “Estava numa depressão profunda, a tomar quilos de medicação, e os Caminhos libertaram-me. É isso que os peregrinos procuram”. O presidente da Associação Espaço Jacobeus, que serve de apoio aos peregrinos de Santiago de Compostela, é exemplo de como, a partir da catarse espiritual, de contacto com a natureza, ou até da simples aventura, os Caminhos de Santiago, rumo à catedral de Santiago de Compostela, são cada vez mais procurados em Portugal.

Só no último ano, terão pernoitado, em várias localidades portuguesas, cerca de 62 mil peregrinos, os quais terão gerado um retorno de 16,5 milhões de euros. Os cálculos foram apresentados esta manhã, no Museu do Mar, em Vigo, na sequência dos resultados de um projecto de cooperação transfronteiriça, Facendo Caminho, que nasceu em 2020 e terminou no final do ano passado. O projecto, que reuniu o Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial da Eurorregião Galícia – Norte de Portugal, a Agência de Turismo da Galiza, o Turismo do Porto e do Norte de Portugal e a Direcção-Regional de Cultura do Norte, teve um custo total de quase 700 mil euros - 75% dos quais financiados através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) – e serviu para melhorar infra-estruturas de sinalização, criar iniciativas de promoção e desenvolver estudos para perceber o impacto dos Caminhos de Santiago nos territórios de Portugal e da Galiza.

Em Portugal, apesar de vários itinerários oficiosos, apenas três estão credenciados, de acordo com um decreto-lei publicado em 2019: o Caminho da Costa, com 138 quilómetros de extensão, atravessa o litoral desde o Porto até Valença; o Caminho Interior, com 214 quilómetros, passa por Viseu e chega até Chaves; e o Caminho Central, que inicia no Ameixal, no Algarve, e em 19 etapas termina na Golegã, em Tomar. Todos com destino a Santiago de Compostela. No estudo de impacto socioeconómico do projecto Facendo Santiago, que teve como principal objecto de estudo o ano de 2022 devido à pandemia, concluiu-se que, no último ano, os três itinerários foram procurados por quase 124 mil peregrinos, 62 mil dos quais pernoitaram em Portugal. “Em média, dormem seis dias e gastam 50 euros por dia. Gera, em restauração e alojamento, um retorno de quase 16,5 milhões de euros para Portugal”, explicou o autor do estudo, Melchor Fernández.

Para António Devesa, que contacta com milhares de peregrinos, a justificação para os números é simples: “É um percurso aberto a toda a gente, desde católicos, budistas, muçulmanos, ateus e agnósticos. Vêm por curiosidade, pela aventura, pela paisagem, pela espiritualidade. É a diferença entre o caminho de Santiago e o Caminho de Fátima, que é realizado só no sentido de se chegar ao santuário”.

Já Ana Rita Dias, presidente da Federação Portuguesa do Caminho de Santiago, os caminhos, “são um produto chave no desenvolvimento da economia, no âmbito dos produtos diferenciadores da natureza”. Apesar dos números, a responsável alerta que, atendendo a que a maioria procura os itinerários interior e central, é necessário "homogeneizar mais a distribuição de peregrinos” e “estruturar o acolhimento, seja através dos albergues públicos, seja através de respostas que já existam no território".

Mais mulheres e pessoas com mais de 65 anos

Na apresentação do estudo, Melchor Fernández explicou que o perfil do peregrino são pessoas maiores de 65 anos, e que mais de metade são mulheres. Através de um de inquéritos de satisfação junto dos peregrinos, e a entrevistas a agentes económicos de várias localidades, o estudo revelou ainda que “há menos motivação religiosa” por quem procura os Caminhos.

Outro dado aponta que os itinerários portugueses, o Caminho Inglês - que parte da Corunha ou de Ferrol e é procurado sobretudo por peregrinos britânicos e de países escandinavos -, e o Caminho Primitivo - que liga Oviedo a Santiago de Compostela -, foram os que mais cresceram entre 2010 e 2022. No caso dos itinerários portugueses, o especialista esclareceu que o aumento das ligações áreas no Aeroporto Sá Carneiro, no Porto, “tornou os caminhos portugueses nos mais acessíveis de todos os caminhos”.

Considerou, ainda, que os peregrinos, apesar de gastarem “bastante menos” por dia que o turista tradicional, estão mais dias no país e procuram “gastronomia e alojamentos locais” em diferentes territórios. Para Melchor Fernandez, os Caminhos de Santiago são mesmo a política de coesão territorial “mais forte da União Europeia”. “Já se desenvolveram várias políticas, mas nenhuma teve esta repercussão nos territórios mais desertificados”, concluiu.

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