Supremo Tribunal de Justiça volta a tentar desmembrar Operação Lex

Juiz responsável pelo julgamento quer ex-juiz Rui Rangel e outros arguidos a serem julgados em dois tribunais diferentes, o Supremo e a primeira instância, consoante os crimes em causa.

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Luís Filipe Vieira, Rui Rangel, Luís Vaz das Neves e Fátima Galante DR

O processo que ficou conhecido como Operação Lex, e que tem o ex-juiz Rui Rangel como principal arguido, sofreu uma nova tentativa de desmembramento que poderá fazer com que só uma pequena parte dos factos seja julgada no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), sendo a maioria dos crimes remetidos para a apreciação de um tribunal de primeira instância, no Juízo Central Criminal de Lisboa.

A notícia foi avançada pelo Observador e confirmada pelo PÚBLICO. Trata-se da segunda vez que um juiz do Supremo tenta remeter parte significativa da apreciação deste processo para o tribunal de primeira instância. O facto de um conjunto de conselheiros do Supremo já ter decidido uma vez que o caso devia ser todo julgado neste tribunal vai fazer com que vários advogados dos arguidos, e também com grande probabilidade o Ministério Público, tentem invalidar esta nova tentativa. Que, a ter sucesso, fará com que Rui Rangel, o empresário desportivo José Veiga e outros arguidos tenham de responder em dois julgamentos diferentes, consoante os crimes em causa.

“Se assim for, recorrerei com certeza dessa decisão”, garante o advogado do antigo juiz, João Nabais, que ainda não conhecia o teor do despacho em que o conselheiro responsável pelo julgamento, António Latas, manda partir a Operação Lex em dois processos.

Tal como na primeira tentativa, que teve lugar ainda na fase instrutória do processo, a cargo do conselheiro do Supremo Sénio Alves, no cerne da questão está o facto de os crimes de colarinho branco alegadamente cometidos pelos desembargadores Rui Rangel e Fátima Galante o terem sido numa altura em que ainda eram juízes de segunda instância, o que lhes daria direito a serem julgados no Supremo, e arrastaria consigo para este tribunal todos os restantes arguidos. Porém, tanto este magistrado como a sua ex-mulher foram afastados compulsivamente da magistratura. Teriam ainda mesmo assim direito a julgamento no Supremo? E valeria a pena desmembrar o processo por isso, uma vez que continuava a haver outro magistrado arguido no Lex, o ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa Vaz das Neves, que continuava necessariamente a ter de ser julgado neste tribunal superior, uma vez que se mantinha juiz?

Sénio Alves achava que sim, mas em Fevereiro de 2022 dois colegas seus do Supremo revogaram a decisão que havia tomado de remeter grande parte do processo para a primeira instância, alegando que era inconstitucional.

Fonte ligada ao processo antecipa que este novo imbróglio não se resolva antes de Setembro que vem, uma vez que vai ser preciso esperar que todos os intervenientes se pronunciem sobre o assunto, se assim o entenderem. O que acrescentará mais um impasse aos atrasos que o processo já sofreu desde que foi proferida acusação, em Setembro de 2020.

Assim, no despacho datado de 10 de Março e a que o PÚBLICO teve acesso, o juiz António Latas considera que o STJ apenas é competente para julgar os crimes que Vaz das Neves cometeu, sozinho ou com outros cúmplices. Assim, o Supremo só tem competência para julgar os seguintes arguidos e respectivos crimes: o crime de corrupção passiva para acto ilícito imputado em co-autoria aos arguidos Vaz das Neves, Rui Rangel, Octávio Correia e José Santos Martins, figurando como corruptor activo, José Veiga; o crime de corrupção activa para o acto ilícito que é imputado a José Veiga e os dois crimes de abuso de poder, um deles imputado apenas a Vaz das Neves e o outro em co-autoria com Rui Rangel.

Quanto aos restantes delitos, este conselheiro considera que o STJ é incompetente para o julgamento, pelo que deverão ser remetidos ao Juízo Central Criminal de Lisboa.

Vaz das Neves quer ser julgado sozinho

Quando o processo lhe foi distribuído para fazer o julgamento, António Latas notificou o Ministério Público e os arguidos para que, no prazo de 10 dias, se "pronunciassem sobre os pressupostos da conexão e separação de processos e respectivos efeitos na definição do objecto do processo". Apenas Luís Filipe Vieira, António José Veiga e Luís Vaz das Neves defenderam a separação dos processos. Luís Vieira e José Veiga pronunciaram-se a favor da separação do processo no que diz respeito a Luís Vaz das Neves, atenta a falta de competência do Supremo Tribunal de Justiça para julgar os restantes arguidos, que não gozam de foro especial como o magistrado.

Já Luís Vaz das Neves que é juiz desembargador, argumentou que devia "ser julgado, sozinho, sem os outros arguidos", uma vez que goza desse privilégio do foro especial. Sujeitá-lo um processo mais demorado afectaria "o seu direito a uma plena defesa e, sobretudo, a um julgamento mais rápido”.

Além dos três juízes desembargadores, foram acusados de crimes económico-financeiros na Operação Lex o então presidente do Benfica Luís Filipe Vieira e um advogado, num total de 17 arguidos. Dirigido pela procuradora Maria José Morgado, esta investigação centrou-se na actividade desenvolvida por Rui Rangel e Fátima Galante - que, segundo a acusação, utilizaram as suas funções na Relação de Lisboa para obterem vantagens indevidas, para si ou para terceiros - vendendo, nomeadamente, decisões judiciais favoráveis a quem lhes pagasse. O juiz levava há anos um estilo de vida muito acima das suas posses.

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