Abusos sexuais: dioceses de Lisboa e Porto mantêm alegados padres abusadores no activo para já

Se aparecerem “indícios fiáveis”, bispo do Porto garante que não hesitará em “suspender preventivamente o clérigo”. Com cinco alegados abusadores no activo, Lisboa diz estar a aguardar mais dados.

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D. Américo Aguiar já deixou a coordenação da comissão de protecção de menores de Lisboa LUSA/Tiago Petinga

A Comissão de Protecção de Menores e Adultos Vulneráveis do Patriarcado de Lisboa recebeu uma lista de 24 nomes de padres acusados de terem abusado sexualmente de menores, enviada pela Comissão Independente ao cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, informou nesta sexta-feira o patriarcado em comunicado.

Daqueles, oito padres já morreram, dois estão doentes e retirados de funções, três referem-se a padres “sem qualquer nomeação” e cinco são de padres no activo. Acrescem outros quatro nomes que o patriarcado garante serem “desconhecidos”, além de um leigo e de um padre que “já abandonou o sacerdócio”.

Por enquanto, e ao contrário do que se verifica noutras dioceses que somam cinco padres que foram preventivamente afastados de funções (um em Braga, dois em Angra de Heroísmo, nos Açores, um em Évora e outro na Guarda), nenhum dos padres implicados no patriarcado de Lisboa foi alvo de qualquer medida cautelar.

“Esta comissão diocesana solicitou de imediato, à comissão independente, os dados respeitantes à lista nominal, de forma a tornar possível a entrega ao cardeal-patriarca das recomendações que lhe permitam fundamentar a proibição do exercício público do ministério dos sacerdotes no activo e assunção das devidas responsabilidades no apoio e respeito pela dignidade das vítimas”, lê-se no referido comunicado.

O documento acrescenta que a comissão diocesana de Lisboa “aguarda com carácter de urgência” a resposta da comissão que foi coordenada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht e que conclui que pelo menos 4815 crianças foram vítimas de abuso sexual dentro da Igreja Católica portuguesa, desde 1950 até à actualidade.

A Diocese do Porto fez também saber nesta sexta-feira que recebeu uma lista com 12 nomes de padres que terão cometido abusos sexuais sobre menores, a qual entregou ao Ministério Público. Desses, quatro já morreram e um já não pertence à diocese. De acordo com o comunicado daquela entidade, "por informação oral do Grupo de Investigação Histórica, ficou-se a saber que as denúncias se reportam às décadas de 70 e 80".

Para já, ainda nenhum dos clérigos foi afastado das suas funções, mas foi iniciada uma "investigação prévia a respeito dos sete clérigos vivos". "Se, entretanto, aparecerem indícios fiáveis, o bispo diocesano não hesitará em suspender preventivamente o clérigo em causa", informa aquela diocese.

"Nos arquivos diocesanos, não se encontra qualquer indício de possíveis crimes de abusos, tal como, aliás, o Grupo de Investigação Histórica já tinha verificado. À Comissão Diocesana para o Cuidado dos Frágeis também não chegou qualquer denúncia relativamente a estes nomes", lê-se no mesmo comunicado.

No caso de Lisboa, e na sequência do que foi proposto pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que quer ver os clérigos afastados destas comissões diocesanas, numa tentativa de recuperar a confiança e a tranquilidade das vítimas, fomentando assim a apresentação de denúncias, o bispo auxiliar D. Américo Aguiar deixou o cargo de coordenador da Comissão Diocesana de Lisboa, num cargo que será assumido interinamente pelo antigo procurador-geral da República José Souto de Moura. Este é também o coordenador nacional das diferentes comissões diocesanas, criadas em 2020 por imposição do Papa Francisco, que quis garantir a existência em cada diocese do mundo de estruturas “fiáveis” de acolhimento às vítimas de abusos sexuais às mãos de membros da Igreja.

Indemnizações? Talvez

Ontem, o então ainda coordenador da comissão diocesana de protecção de menores, o bispo auxiliar D. Américo Aguiar, recuperou a possibilidade de a Igreja pagar indemnizações às vítimas, nomeadamente quando tenha havido lugar ao encobrimento. “Se a pessoa condenada não tiver condições para cumprir a indemnização a que foi condenada, a Igreja deve suprir. Se ficou claro e evidente, sem dúvidas para ninguém, que da parte da Igreja houve encobrimento, exportação [do sacerdote abusador], colaboração, se assobiou para o ar, defendo que, nesse caso, a Igreja deve assumir a indemnização a essa vítima”, declarou aos jornalistas.

Esta posição destoa do que fora defendido dias antes pelo cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, para quem falar em indemnizações é “insultuoso” para as vítimas. “A pessoa que cometeu o crime deve ser condenada, com todas as consequências quer para a sua liberdade quer para o seu património, mas defendo que a Igreja deve suprir, não como favor, mas como obrigação sua, se um agente seu que foi condenado não tiver condições para o fazer”, explicitou, ressalvando que a “Igreja não tem de o fazer”, se nos ativermos ao plano estritamente legal. Porém, “como cristão e como bispo”, D. Américo Aguiar diz sentir que “a Igreja deve fazê-lo”.

Já anteriormente, pouco tempo depois de o presidente da Conferência Episcopal, D. José Ornelas, ter preconizado que o eventual pagamento de indemnizações compete ao abusador e não à Igreja enquanto instituição, o arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho, admitira, numa entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença, que pode haver responsabilidade da Igreja enquanto instituição no caso dos abusos sexuais cometidos por clérigos, logo poderá haver lugar ao dever de indemnização.

“Imaginemos que [a Igreja] falhou na formação. Imaginemos que esse senhor já era reincidente. Essa tal questão da ocultação. Imaginemos que se prova que existiu. Foi um senhor que teve um problema na paróquia A, B X e foi colocado na paróquia Z. Imaginemos, por exemplo, que a situação do sacerdote era uma situação doentia, de tal modo que não teria possibilidade de ser pároco e foi nomeado pároco. Imaginemos que o sítio onde ele confessava não tinha dignidade nem condições e nunca a autoridade eclesiástica viu que aquilo era, de facto, um recanto de escuridão. Então, a Igreja terá também como instituição as suas responsabilidades e a Igreja terá de indemnizar no contexto da legislação portuguesa”, declarou.

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