Ordenamento do Território é fundamental

Longe vão os tempos que o Ordenamento do Território era nome de ministério. Mesmo quando se vislumbra o nome numa secretaria de Estado, o OT é menorizado face a outros temas da mesma pasta.

O Ordenamento do Território (OT) vive neste momento num estado de quase total irrelevância. Em situações de fenómenos extremos faz notícia, sejam eles as cheias no inverno ou os incêndios no verão, fazendo crer que o OT apenas é relevante para a sociedade e para o poder político quando perante cenários de catástrofe.

A realidade é bastante mais complexa que as simples dicotomias em que infelizmente se tem caído, levando o OT a presentemente padecer de diversos males.

Irrelevância política. A irrelevância política do OT tem vindo a aumentar a olhos vistos. Longe vão os tempos que o Ordenamento do Território era nome de ministério e mesmo quando se vislumbra o nome numa secretaria de Estado, o OT é recorrentemente menorizado face aos outros temas do titular da pasta. A questão formal não é irrelevante, mas a prática é particularmente dramática. Com honrosas exceções, nos últimos anos, os titulares da temática do OT têm sido distantes e ineficazes na governação desta área, havendo sempre diferentes prioridades que não o OT.

Instabilidade no sistema. Têm ocorrido várias alterações à legislação, a planos, a programas, entre outros, que alteram constantemente as regras do jogo e que criam uma instabilidade desnecessária no sistema. Por exemplo, foi alterado o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT) enquanto decorre um processo intenso de revisões e alterações de Plano Diretores Municipais (PDM). Tal como foram alterados outros Planos e Programas de nível sectorial e regional, criando uma pressão adicional dada a simultaneidade dos processos. Também as orientações estratégicas de âmbito nacional e regional da Reserva Ecológica Nacional (REN) foram sendo alteradas, e em muitos dos casos não devidamente testadas antes. Por consequência, atrasando os processos de alteração ou revisão dos PDM.

Como se tal não bastasse, há legislação nacional na área do OT que é aplicada com nuances regionais. As alterações de organização e competências das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), ainda que possam trazer benefícios, acabam por criar entropias nestes processos urgentes de revisão e alteração dos PDM. Há ainda muitas dezenas de PDM que datam da década de 90 do século passado, estando bastante desatualizados face à realidade. Incompreensivelmente, neste momento não há informação pública sobre o número de municípios onde falta rever ou alterar o PDM, ainda que exista uma obrigação legal de fazer estas revisões ou alterações até ao final do presente ano.

Faltam meios. Na área do OT já se verificava escassez de meios em inúmeras entidades, mas o período pandémico e pós-pandémico tornou os tempos de resposta destas entidades ainda piores. Pese embora o esforço dos técnicos quer no sector público, quer no sector privado, continuam a faltar meios, das maiores câmaras municipais às mais pequenas, passando pelas diversas entidades a quem é exigida a emissão de pareceres. Mas tendo em conta a simultaneidade e quantidade, tem levado a tempos imensos na sua emissão. A isso se junta o envelhecimento de muitos técnicos, sendo por isso urgente aumentar e rejuvenescer os quadros dos atores envolvidos no OT.

Falta coordenação e decisão. Um pedaço do território é recorrentemente alvo de preocupações diferentes, muitas vezes conflituantes, entre o salvaguardar áreas da reserva agrícola nacional, da reserva ecológica nacional, áreas patrimonialmente relevantes, e a necessidade de novas áreas para atividade económicas e para habitação. Estes conflitos e tensões são naturais, sempre existiram e sempre existirão. Mas é fundamental que as CCDR façam um uso proativo do “C” de coordenação. A CCDR pode e deve ponderar e coordenar as melhores opções para o território.

Falta planeamento e estratégia. Muitas das decisões estratégicas recentes, umas já tomadas e outras por tomar, têm pura e simplesmente ignorado o Ordenamento do Território. A decisão do novo aeroporto de Lisboa é um ótimo exemplo disso. Nas subáreas da estrutura de decisão da localização, o Ordenamento do Território não existe. Não está em causa a relevância das questões técnicas da localização do aeroporto, das questões ambientais, das questões jurídicas, mas como é possível planear e ordenar um território quando o OT não entra na equação?

Outro exemplo de falta de estratégia é que o PDM se tornou um enorme repositório de regras, orientações e afins de todas as temáticas. Alguns até consideram erradamente que o PDM deve representar apenas o estado atual da ocupação do território. Os PDM podem e devem ter uma estratégia e visão para o território municipal e prever como o Plano deve ser executado. Os PDM podem e devem contribuir ativamente para solução do enorme e complexo problema da Habitação. O pacote de medidas legislativas Mais Habitação agora apresentado pouco ligação tem com as questões do OT, o que é uma falha grave.

O OT tem imperfeições e defeitos que podem e devem ser trabalhados. Mas o atual desprezo pelo OT em Portugal é dramático e preocupante e dará muito mau resultado. Quando o OT pode e deve ajudar a ativamente resolver problemas tão relevantes e complexos como a falta de habitação ou a identificação e gestão de riscos no território (sejam os incêndios, cheias, etc).

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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