O 8 de março e o constrangimento dos homens

Alguns deram os parabéns. Outros compartilharam figurinhas com fundo cor-de-rosa no WhatsApp. Muitos ficaram em silêncio, sem saberem bem o que dizer. Para estes, ofereço uma sugestão.

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Num dia que fala de sororidade, o sofrimento de uma mulher é o sofrimento de todas DR/Vonecia Carswell via Unsplash

Não faz muito tempo, era comum as empresas receberem suas funcionárias com flores no Dia Internacional da Mulher. Se fosse uma rosa vermelha, então, melhor. E a lembrança era geralmente acompanhada de um bilhetinho: “Parabéns, mulher, pelo seu dia”. Os colegas diziam parabéns, alguns questionavam a falta de um “dia do homem”. As mulheres sorriam, ainda que com um sorriso amarelo, um tanto constrangidas.

É que pode soar estranho receber cumprimentos por algo meramente biológico (no caso das mulheres cis). Ou alguém imagina parabenizar um homem por ele ser… homem? Podemos elogiar qualidades individuais, posturas, de homens e mulheres, mas dificilmente elas estarão atreladas de alguma forma ao gênero.

Também gera um certo desconforto o presente simbólico (e clichê) diante de tantos e tão graves problemas enfrentados pelas mulheres — seja no mundo do trabalho ou na sociedade. Mais preocupantes até do que as diferenças salariais, de oportunidade de promoção e de divisão de tarefas domésticas são a violência, o menor acesso à educação e à saúde e a negação, em alguns países, de direitos básicos como ir e vir sem a tutela de um homem.

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Formas tradicionais de celebrar o 8 de março são tão caricatas que viraram piada no "Porta dos Fundos". Reprodução

Os problemas são muitos e variados mas, se forem solucionados, todos se beneficiam. Uma reportagem do PÚBLICO mostrou, por exemplo, que reduzir a desigualdade aumentaria não só a expectativa de vida das mulheres, mas também a dos homens.

A verdade é que, hoje em dia, essa cena da rosa no trabalho chega a ser vista como piada — tanto que serve até sketch do Porta dos Fundos. As empresas se deram conta de que, mais do que uma rosa ou um bombom, as mulheres querem licença de maternidade ampliada, igualdade de remuneração e as mesmas oportunidades de crescimento na carreira, num ambiente que seja mais amigável para as famílias.

Mas, se no mundo corporativo já ficou um tanto claro — pelo menos para as empresas mais antenadas — o que fica e o que não fica tão bem no 8 de março, na vida pessoal as coisas continuam um tanto confusas. Como devemos encarar o Dia Internacional da Mulher?

Há diferenças de abordagem entre as próprias mulheres: tem aquelas que louvam como somos guerreiras e conseguimos fazer tudo e mais um pouco — inclusive em cima de um salto alto. Nada contra os saltos altos (contra estes, só as calçadas portuguesas), mas não me parece que a data seja para louvar nossa destreza sobre eles.

Pode ser uma visão um tanto rabugenta, mas, nessas mensagens cor-de-rosa autolaudatórias, deixamos passar duas oportunidades. A primeira é lembrar tudo que caminhamos (com e sem salto) para chegar até aqui — e poder votar, estudar, trabalhar, além de criar filhos — e a segunda, de falar dos problemas que ainda existem e pedir ajuda. É por isso que outras mulheres, entre as quais me incluo, prefeririam receber outro tipo de mensagem.

Também entre os homens a data gera reações variadas. Alguns continuam a mandar os parabéns, até com flores (ainda que virtuais), como as empresas dos anos 1990. Mas, especialmente nos últimos anos, tenho percebido uma crescente opção pelo silêncio. Em alguns, sinto um certo descontentamento com a data — nesses casos, é difícil argumentar sobre a necessidade de, ainda hoje, termos um dia para marcar a desigualdade de gêneros. Em outros, percebo um certo constrangimento, uma dúvida do que fazer. E é para eles esse texto.

Eles sabem que algo não está bem. Percebem que não dá para mandar um parabéns puro e simples, róseo. Também não acham muito adequado desejar um “feliz dia das mulheres” porque, num dia que fala de sororidade, o sofrimento de uma mulher (e há muitas que sofrem no mundo) é o sofrimento de todas. Alguns entendem, ainda, que ter mais igualdade ajuda os próprios homens a saírem de papéis estereotipados e antiquados. Eles ganham mais liberdade para expressar suas emoções, construir relações de afeto mais profundas e ter uma vida mais equilibrada entre trabalho e casa.

Muitos desses homens podem manter um certo silêncio para abrir espaço para as mulheres se expressarem. E isso é muito, muito bem-vindo num mundo em que as fontes de informação continuam, predominantemente, masculinas e brancas.

Mas, se eu pudesse escolher a melhor maneira para um homem se expressar neste dia 8 de março, minha sugestão se resume a uma simples frase: “Quero ouvir, entender sua perspectiva e aprender como posso ajudar”. Ao que eu diria: “Vamos aprender juntos.”

Fica a dica para o próximo ano — ​ou, ainda melhor, para todos os dias.


A autora escreve em português do Brasil

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