Bruxelas confirma que disciplina orçamental regressa em 2024

Com o prazo para a reforma das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento a derrapar, Bruxelas avançou recomendações para os governos prepararem os seus planos orçamentais do próximo ano.

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Comissão Europeia fez hoje um conjunto de recomendações aos Estados membros EPA/OLIVIER HOSLET

Ainda sem uma proposta legislativa para a revisão do quadro de governação económica da União Europeia, a Comissão avançou, esta quarta-feira, uma série de recomendações para os governos prepararem os respectivos programas de estabilidade e convergência e projectos de orçamento para 2024, deixando já um sério aviso de que no próximo ano voltará a propor a abertura de procedimentos por défice excessivo aos Estados membros que ultrapassarem o limite dos 3% do PIB (e que podem ser vários).

Porém, Bruxelas também fez saber que vai abster-se de aplicar a regra que obriga os Estados-membros a uma redução de 1/20 da dívida pública acima do patamar dos 60% do PIB fixado nos tratados: apesar dos atrasos no calendário para a revisão das regras orçamentais, a convicção é de que os ministros das Finanças dos 27 chegarão a acordo para mudar os actuais critérios para o esforço de consolidação nos países com dívida pública elevada, como é o caso de Portugal.

Com a cláusula de escape do Pacto de Estabilidade e Crescimento a expirar no final deste ano, o executivo comunitário voltará a introduzir metas quantitativas nas suas recomendações específicas aos países para a sua política orçamental em 2024 — neste período em que as regras estiveram suspensas, Bruxelas apenas forneceu orientações gerais, lembrando aos Estados-membros que as suas opções políticas devem “promover o crescimento sustentável e inclusivo” e, ao mesmo tempo, “assegurar a sustentabilidade da dívida a médio prazo”.

“A activação da cláusula de escape no contexto da pandemia de covid-19, e o seu prolongamento depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, foram a decisão certa”, considerou o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni. Mas com os indicadores económicos a mostrar que a UE foi capaz de resistir a esses choques consecutivos, “chegou o momento” de abandonar o quadro de emergência e retomar a normalidade da política macro-económica, justificou.

Daí a comunicação desta quarta-feira, que pretende servir como “guia” para os países no actual período de transição em que ainda vigora a cláusula de escape e não estão ainda aprovadas as novas regras para a aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento (a Comissão ainda nem sequer apresentou a sua proposta legislativa).

Enquanto decorrem as negociações políticas entre os Estados-membros, que ainda estão bastante divididos quanto às futuras regras orçamentais, o executivo está a recomendar que os governos tenham em consideração as principais linhas de reforma que avançou em Novembro passado. “Entretanto, as actuais regras continuam a ser aplicáveis”, lembrou o vice-presidente executivo da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis.

O que Bruxelas pretende é que na preparação dos planos orçamentais de 2024, os Estados-membros assumam que alguns dos “elementos-chave” para a revisão das regras vão mesmo materializar-se. Por isso está a sugerir que nas suas propostas no âmbito do Semestre Europeu, os governos já estabeleçam um limite para o crescimento da despesa primária líquida e mostrem como as reformas e os investimentos previstos contribuem para a sustentabilidade das finanças públicas.

“A ênfase deve virar-se para a melhoria da sustentabilidade da dívida, impulsionando o crescimento potencial de uma forma sustentável sem aumentar a despesa pública”, explicou Dombrovskis, que convidou os Estados-membros a “apresentarem, até ao final de Abril, programas que cumpram os critérios de ajustamento propostos, com objectivos orçamentais ambiciosos que respeitem o valor de referência do défice de 3% do PIB e assegurem uma trajectória de redução credível e contínua da dívida, de forma a manter níveis prudentes a médio prazo”.

Os Estados-membros também “devem identificar como as reformas e investimentos planeados, inclusive no âmbito dos Planos de Recuperação e Resiliência, vão contribuir para a sustentabilidade orçamental e para um crescimento sustentável e inclusivo”, prosseguiu.

Em função desse exercício, o executivo comunitário apresentará, um mês depois, recomendações específicas “quantificadas e diferenciadas com base nos desafios da dívida pública e nos objectivos orçamentais estabelecidos por cada Estado-membro, desde que cumpram todos os requisitos”, informou o vice-presidente, dizendo que Bruxelas dará atenção especial à “qualidade do investimento público, particularmente à luz da dupla transição verde e digital”.

O comissário da Economia aconselhou os Estados-membros a “continuar a proteger o investimento público” e a “limitar o crescimento da despesa”, nomeadamente com o fim das medidas extraordinárias adoptadas para mitigar o impacto social e económico da crise energética, que tiveram um custo estimado de 1,2% do PIB no ano passado.

“Estes apoios não podem continuar indefinidamente”, concordou Valdis Dombrovskis. “No actual ambiente de inflação elevada, em que a política orçamental e monetária estão a trabalhar em conjunto, podemos ter uma situação em que o BCE tenha de continuar a subir as taxas de juro”, assinalou o vice-presidente executivo, vincando que tem de se evitar o risco de os estímulos orçamentais provocarem mais inflação em vez de ajudarem a promover o crescimento económico.

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