Sobre o 25 de Abril que nos une e que há muito nos separa

No fim, o que me alegra é celebrar Abril e, por causa dele, poder ter opinião e expressá-la. Viva a democracia!

A questão está ultrapassada e é com algum atraso que escrevo que, se fosse deputada, teria sido contra a hipótese de Lula da Silva discursar na sessão solene do 25 de Abril. Faz sentido que seja recebido com toda a circunstância no Parlamento e nas restantes instituições políticas, faz sentido até que discurse em diferentes momentos, mas abrir o palco da Assembleia da República num dia como este a um chefe de Estado estrangeiro, mesmo que seja presidente de um país-irmão, é um precedente que eu não abriria. Hoje está o PS no poder e trata-se de Lula da Silva, noutro momento qualquer os protagonistas serão outros e o precedente estaria aberto.

Já tive discussões calorosas sobre o assunto — basta ouvir o podcast Poder Público desta semana —, mas a verdade é que neste momento já não interessa nada o que penso sobre o tema. Lula da Silva virá a Portugal, participará sem intervir nas comemorações do 25 de Abril que terão lugar no Parlamento e terá direito a uma sessão solene própria, no dia 25 à tarde, para ser recebido pelos deputados. Acho que é uma boa solução.

No decurso de toda esta polémica, acabei por fazer algumas leituras e recordar outros momentos quentes relacionados com a celebração da Revolução dos Cravos no Parlamento:

  • a recusa do PSD e do CDS, desde cedo, em usar o cravo vermelho na lapela;
  • o ano de 1993, em que Mário Soares levou a “festa” para junto da Torre de Belém, para juntar as celebrações aos 500 anos dos Descobrimentos;
  • o boicote de 1992, que opôs PSD e jornalistas e que levou Soares a desmarcar a sessão no Parlamento;
  • a dissolução da Assembleia, em Março de 2011, que obrigou a que a data fosse assinalada em Belém e não em São Bento;
  • os anos da troika, em que os Capitães de Abril, assim como Mário Soares e Manuel Alegre, recusaram participar na sessão solene;
  • os 40 anos do 25 de Abril sem discurso dos “capitães”, que tinham pedido para falar;
  • e, finalmente, a polémica sobre juntar ou não juntar uma centena de deputados no hemiciclo no ano da pandemia (2020).

O que eu fiquei a saber também (e não só não sabia como vem deitar por terra o meu argumento dos precedentes) é que em 1989, pela primeira e única vez, houve um elemento externo ao país que discursou na Assembleia da República durante as comemorações do 25 de Abril.

Nesse ano, esteve presente Carmen Pereira, presidente da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, que disse, entre outras coisas: “Queremos, em nome do povo guineense, render uma profunda homenagem ao povo português, que, compreendendo a evolução irreversível da História, decidiu percorrer, com os nossos povos, um novo caminho de paz, liberdade e amizade.”

Dir-me-ão que é diferente convidar o presidente do Parlamento de um país lusófono de fazer o convite a um Presidente da República. Para mim, não é. Continuaria a votar contra o discurso da guineense — não naquele fórum, como é óbvio, mas naquela data e ocasião. Seja como for (e contra mim falo), Lula não seria propriamente o primeiro “estrangeiro” a falar no “nosso” 25 de Abril.

No fim, o que me alegra é celebrar Abril e, por causa dele, poder ter opinião e expressá-la. Viva a democracia!

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