Obesidade, um desafio de saúde pública

“Mudança de Perspetivas: Vamos Falar Sobre Obesidade” é o grande mote deste ano para assinalar o Dia Mundial referente a esta doença crónica, complexa e multifactorial.

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Somos um dos povos da Europa que vive mais anos… doente DR/Towfiqu barbhuiya via Unsplash

À escala mundial, a obesidade é atualmente um dos principais problemas de saúde pública e apesar das inúmeras campanhas de sensibilização das entidades competentes, reforço da literacia e implementação de novas políticas, temos de continuar a insistir na discussão, debate e partilha sobre a gravidade desta doença para que, assim, possamos mudar efetivamente mentalidades, práticas e, consequentemente, melhorar resultados.

Ora, se é para falarmos sobre obesidade, e desta forma respeitarmos o mote escolhido para este ano, falemos com atualidade e assertividade.

Os números não mentem: os últimos dados do inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico, de 2015, apontavam que a obesidade afetava cerca de 2,5 milhões de adultos em Portugal (uma prevalência na ordem dos 28,7%). Mas, se falarmos de excesso de peso (pré-obesidade e obesidade), este problema atinge no nosso país 67,6% dos adultos, ou seja, mais de metade dos portugueses.

Nas crianças, e segundo o último estudo COSI Portugal de 2019 – um sistema de vigilância nutricional infantil integrado no Childhood Obesity Surveillance Initiative​, da OMS/Europa, 1 em cada 3 apresentava excesso de peso, sendo que a prevalência de obesidade infantil a nível nacional era de 11,9%. À época deste estudo ficou demonstrado, também, uma tendência de redução de mais de 8 pontos percentuais na prevalência de excesso de peso infantil (37,9% para 29,7%), numa década.

Mas se os números conhecidos são factos e não mentem, também é verdade que se encontram desatualizados e que, à data da sua publicação, não puderam ter em conta a conjuntura mundial económico-financeira posteriormente vivida por três fatores inesperados: pandemia, guerra e inflação.

Atualmente, e mais do que se falar apenas da doença e dos efeitos nefastos que tem na saúde dos portugueses, será importante falar-se sobre a importância da correta monitorização do estado de saúde na população portuguesa ao longo do tempo, nomeadamente no que diz respeito a indicadores de saúde.

Estes dados atuais permitem-nos observar e analisar os níveis e dimensões da doença, facilitando a implementação de corretas ferramentas de controlo que tenham em conta, obviamente, a qualidade do indicador e as suas diferentes variáveis.

Os indicadores de saúde são fundamentais para a construção de uma Saúde Pública coesa e atual, balizando a implementação de estratégias de intervenção que sejam efetivamente diferenciadoras na área da prevenção e da atuação efetiva face à doença.

Assim, tendo em conta os dados conhecidos e que apesar de desatualizados nos permitem perceber a enorme dimensão do problema, será importante apostarmos numa monitorização mais atempada e regular da doença.

Trata-se, não nos esqueçamos, de um problema de Saúde Pública, que traz consigo consequências gravíssimas para a saúde dos portugueses e para a significativa despesa, nomeadamente do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Relembro o estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa que concluiu, em 2021, que o custo direto da obesidade é de cerca de 1,2 mil milhões de euros por ano, aproximadamente 0,6% do PIB e 6% das despesas de saúde em Portugal. Recordo, ainda, que segundo o relatório de 2019 The Heavy Burden of Obesity – The Economics of Prevention da OCDE, 10% da despesa da saúde em Portugal é utilizada para o tratamento de doenças relacionadas com excesso de peso, um número claramente superior à média dos países da OCDE. Estimava-se, ainda, que entre 2020 e 2050 o excesso de peso e as doenças associadas pudessem contribuir para uma diminuição da esperança média de vida e da perda de anos de vida saudável.

E, paradoxalmente, Portugal gastou menos do que muitos outros países europeus em prevenção: 41€ per capita, ou seja, 2% do total das despesas de saúde, em comparação com 3% na União Europeia, o que em muito pode justificar o facto de os portugueses passarem mais anos doentes do que a média europeia, apesar de mantermos uma posição confortável relativamente à esperança de vida ao nascer.

Ou seja, somos um dos povos da Europa que vive mais anos… doente. Os esforços para prevenir a obesidade devem considerar os determinantes mais amplos da doença e as opções políticas devem abordar os fatores estruturais da obesidade. É urgente implementar as políticas de saúde adequadas, porque o futuro fez-se no presente.

Sabemos nitidamente que o contexto económico e financeiro face à conjuntura mundial atual impacta, de forma significativa, na saúde da população. A pandemia e a guerra alteram os hábitos individuais e sociais, provocou grandes perdas financeiras a famílias inteiras e levou, inevitavelmente, a um consumo de alimentos mais económicos, rápidos, processados e muitas vezes menos saudáveis. Consequências? Menos saúde, aumento de peso.

A pandemia e, posteriormente, o aparecimento de uma guerra inesperada na Europa, que atingiu penosamente o mundo, voltou claramente a desarmar a economia europeia tendo levado a inflação a níveis sem precedentes e tendo o caminho de recuperação pós-pandemia sofrido claros retrocessos.

Consequências? Desigualdades económicas, maior inflação, preço dos bens alimentares em rota ascendente e consequente menor poder de compra que, consequentemente, leva a uma alimentação menos saudável, influenciando situações de aumento de peso.

O preço claramente condiciona as escolhas alimentares, daí a proposta de outubro passado da Ordem dos Nutricionistas ao Parlamento, para que alimentos considerados essenciais, como pão, fruta e hortícolas deixassem de pagar IVA, garantindo-se assim o direito a uma alimentação adequada da população, mas que infelizmente não foi aprovada. Como sabemos, estas circunstâncias pesam no peso das populações. E a este propósito a OMS, no seu último relatório sobre obesidade, de 2022, alertou que nenhum Estadomembro irá atingir o objetivo de controlar o crescimento da obesidade. E neste quadro estará também o nosso País.

Temos que olhar de frente para esta doença, que é considerada a pandemia do século XXI, conhecer a real dimensão do problema, com dados atuais e de qualidade, e agir com conhecimento e determinação, para combater este grave problema de saúde pública.

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