Ao fim de dois meses de Governo Lula, o Brasil voltou a ter o Bolsa Família

O programa que se tornou um símbolo da governação do PT, e que mudou de nome com Bolsonaro, regressou com valores mais elevados e com a missão de combater a fome.

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Lula fez do combate à fome um dos desígnios da sua governação EPA/Andre Borges

Foi sem conter as lágrimas que o Presidente brasileiro, Lula da Silva, apresentou na quinta-feira o novo Bolsa Família, uma versão reformulada do subsídio social que durante os seus dois primeiros mandatos foi responsável por retirar milhões de brasileiros da pobreza extrema.

A cerimónia de apresentação do programa social contou com a presença de antigos beneficiários do Bolsa Família, como Isamara Mendes, que descreveu como conseguiu entrar na universidade tendo origem numa família muito pobre do interior da Bahia. Hoje é doutorada pela Universidade de São Paulo.

“O título de doutora não me define, mas a conquista sim, pois traz a história dos meus pais, que cresceram na labuta e não tiveram a oportunidade de estudar. De 'mainha' [mãezinha], que adquiriu independência ao administrar o Bolsa Família e nos empoderou”, contou a jovem.

Foi ao escutar a história de vida de Isamara que Lula se emocionou e, caso raro numa carreira feita de milhares de discursos, admitiu haver pouco mais a dizer. Na sua intervenção, o Presidente recém-eleito sublinhou que o Bolsa Família “não é um programa de Governo, de um Presidente da República, [mas] sim da sociedade brasileira”, e prometeu fiscalização.

O sucesso do Bolsa Família desde que foi introduzido, em 2003, tornou-o emblemático e ainda hoje é tido como um exemplo a nível internacional como uma solução para fomentar a ascensão social em países de elevada desigualdade económica. Apesar de as suas bases terem sido lançadas antes da chegada de Lula ao poder, o subsídio passou a ser visto como uma das marcas mais relevantes da governação do Partido dos Trabalhadores (PT) e a memória afectiva de milhões de antigos beneficiários figura como um pilar essencial do eleitorado do partido.

No entanto, o modelo que foi apresentado esta semana tem o dedo do antecessor de Lula, Jair Bolsonaro. No auge da pandemia, Bolsonaro criou o Auxílio Emergencial, uma prestação social de emergência para acudir às famílias mais pobres e aos milhões de brasileiros que se viram privados de trabalhar, sobretudo na economia informal.

Na altura, o Governo, pressionado pelo Congresso, fixou uma prestação de 600 reais (108 euros) por família, elevando o patamar mínimo anteriormente consagrado pelo Bolsa Família – em 2020 chegou a ser o programa social que abrangia o maior número de pessoas em todo o mundo. Com a aproximação das eleições, Bolsonaro, que antes era um crítico dos programas assistenciais da era Lula, criou o Auxílio Brasil, substituindo o Bolsa Família, que considerava demasiado conotado com o PT e com o valor mínimo de 400 reais.

Na campanha, Lula, tal como Bolsonaro, prometeu manter o subsídio nos 600 reais, mas no redesenho que criou a nova versão do Bolsa Família incluiu algumas condicionantes que não eram exigidas pelo Auxílio Brasil, como a obrigatoriedade de frequência escolar para menores de idade ou a manutenção do boletim de vacinas actualizado para os membros dos agregados familiares abrangidos.

Para além disso, o programa inclui ainda prestações de 150 reais (27 euros) para cada criança até aos seis anos e 50 reais (nove euros) para menores entre os sete e os 18 anos de idade e para mulheres grávidas.

O Bolsa Família assume uma importância nuclear num país em que a fome voltou a atingir uma fatia muito relevante da população. Os cálculos apontam para que pelo menos 33 milhões de brasileiros sofram de algum tipo de privação alimentar, um quadro que se agravou durante os anos da pandemia e, segundo alguns observadores, pela ausência de políticas sociais sólidas por parte do Governo federal. Na campanha, Lula fez do combate à fome uma das prioridades do seu mandato.

Na apresentação do programa social, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, que foi governador do Piauí, um dos estados mais pobres do Brasil, prometeu retirar o país do Mapa da Fome da ONU, de onde tinha saído em 2014 e onde regressou nos últimos anos. “Vamos dar as mãos a quem mais precisa”, disse o ministro.

Dias antes, Lula já tinha anunciado o restabelecimento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), um organismo governamental que dava apoio ao executivo federal na formulação de políticas de combate à fome e que tinha sido extinto por Bolsonaro.

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