Trabalhos de casa: sim, não ou assim-assim?

Ter a flexibilidade de dar mais do que um dia para entregar a tarefa realizada é importante, de modo a respeitar os horários de atividades das crianças e os programas familiares.

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DR/Annie Spratt via Unsplash

Muito se tem escrito e falado sobre os trabalhos de casa, tema que gera sempre muita controvérsia, inflamando os ânimos e gerando posições diametralmente opostas. Há quem seja a favor, achando que a sua realização é positiva para as crianças. Há quem se oponha, afirmando que prejudicam muito mais do que beneficiam os alunos. E há quem não seja nem a favor nem contra, argumentando que, antes de nos posicionarmos entre estes dois extremos, devemos questionar-nos quanto à função, quantidade e qualidade dos trabalhos de casa.

Começando pela primeira questão: para que servem os trabalhos de casa? Na minha perspetiva, podem desempenhar algumas funções que não são de somenos importância. Por um lado, contribuem para fazer a ponte entre a escola e a família, permitindo que os pais acompanhem as matérias que os seus filhos estão a trabalhar na sala de aula e se apercebam do seu nível de desempenho escolar. Por outro, promovem a autonomia e o sentido de responsabilidade dos alunos, que têm de se recordar da tarefa e de assegurar o seu cumprimento, ao mesmo tempo que contribuem para a consolidação de determinados conhecimentos que implicam algum treino.

Têm também como função habituar as crianças a terem um espaço próprio para trabalhar em casa, com calma e concentração, sentadas na sua secretária. Esse hábito, desenvolvido gradualmente, será importante na transição para o 2.º Ciclo, criando condições para que que esta se processe com a tranquilidade necessária.

Também poderemos inverter a questão, perguntando o seu contrário: para que não servem os trabalhos de casa? Em primeiro lugar, não devem servir para privar as crianças do direito à infância, forçando-as a terem jornadas de trabalhos com horários iguais ou superiores aos dos adultos. Em segundo lugar, não devem interferir demasiado com a vida das famílias, ao final do dia, transformando num inferno um tempo que deveria ser de qualidade entre pais e filhos. Por último, não devem concorrer para afastar as crianças do gosto pela aprendizagem, assoberbando-as com tarefas extensas, fastidiosas e repetitivas.

Neste último ponto, já estamos a entrar na questão da qualidade dos trabalhos de casa, que, aliada à quantidade, reforça a legitimidade de quem se posiciona contra a realização dos mesmos. Mas, entre estas duas posições radicalmente opostas, a favor e contra os trabalhos de casa, poderá haver um meio termo, no qual eu me posiciono: entre o não e o sim, eu defendo o assim-assim. E, ainda assim, esse assim-assim, no espetro que vai do pouco ao muito, deve situar-se mais perto do pouco, aumentando gradualmente ao longo da escolaridade, sem nunca se aproximar do muito, e observando sempre alguns princípios que tenham em conta a qualidade dos trabalhos de casa.

No 1.º ano, basta que as crianças levem os cadernos para casa, ao fim de semana, para mostrarem aos pais aquilo que andam a fazer na escola. Os pais devem incentivar os filhos a lerem os textos trabalhados, elogiando os seus progressos. No 2.º ano, podem começar a levar uma pequena tarefa no final da semana, de rápida realização. Já nos 3.º e 4.º anos, poderão ter uma tarefa curta a meio da semana e uma um pouco mais longa ao fim-de-semana, ou então uma tarefa mais completa por semana, a realizar de acordo com a sua disponibilidade, para apresentarem na semana seguinte.

Ter a flexibilidade de dar mais do que um dia para entregarem a tarefa realizada é importante, de modo a respeitar os horários de atividades das crianças e os programas familiares. Ter crianças a dormir em cima dos trabalhos de casa, depois de uma aula de natação ou de piano, é tão inútil quanto penoso.

Também não se deve dar aos pais o papel de explicadores dos filhos, o que, na área da Matemática, até pode revelar-se contraproducente. Atualmente, as didáticas são muito diferentes, e explicar “como no meu tempo”, além de não ajudar, até confunde as crianças. Assim, se os alunos têm dúvidas, os trabalhos de casa podem ser uma boa forma de as identificar, devendo ser devolvidos para que o professor tenha oportunidade de esclarecer a matéria em questão.

A qualidade dos trabalhos de casa também é muito importante, podendo ser determinante para cativar as crianças para a sua realização. A imaginação e a disponibilidade para criar tarefas apelativas e ativas têm um papel a desempenhar no envolvimento dos mais novos na concretização das propostas. No entanto, nem todas as tarefas escolares são ou têm de ser necessariamente divertidas e, por vezes, temos de despender algum do nosso tempo a realizar exercícios dos quais, eventualmente, gostemos menos.

Por fim, há uma série de atividades familiares que, sem serem escolares, dão um precioso contributo para as aprendizagens. Ler um livro à noite na cama, participar na elaboração da lista de supermercado, juntar os ingredientes para fazer panquecas, realizar pequenos pagamentos e verificar trocos, aprender a pôr a mesa, arrumar os brinquedos, visitar uma exposição, ir ao cinema, fazer jogos sociais ou simplesmente conversar com os pais são pequenas grandes atividades muito importantes que contribuem para o desenvolvimento global da criança.

Destas atividades realizadas em família também poderão surgir propostas para a criança levar para a escola e apresentar na turma, abrindo, assim, um caminho com dois sentidos: da escola para casa e de casa para a escola. Desta forma, também se podem criar hábitos de trabalhar em casa e de se sentar na secretária, só que desta vez por iniciativa da criança e da família. Cabe à escola acolher e valorizar estas iniciativas, que são sempre muito válidas para estabelecer a ponte com as famílias.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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