Mariana Mortágua: diálogo com o PS é “possível”, mas “tem de decidir o que quer ser”

A candidata à coordenação do Bloco de Esquerda considera que o Governo “escolheu um lado” — da “governação contra as pessoas” — que impede entendimentos entre bloquistas e socialistas.

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Mariana Mortágua é candidata à liderança do Bloco de Esquerda Rui Gaudêncio

Quatro anos passados da “geringonça”, Mariana Mortágua admite confluências com o PCP, com quem, diz, o Bloco se encontra “em muitos lugares da vida democrática”, e também “com muita gente do PS”. Mas sobre futuros entendimentos com os socialistas, embora admitindo que “há sempre diálogo possível”, garante que com esta maioria absoluta só resta ao Bloco “criar alternativas”. Mesmo com António Costa fora da equação e Pedro Nuno Santos à frente do partido, tudo depende do que o PS decidir “que quer ser no futuro”, desafia a candidata a líder bloquista em entrevista ao Hora da Verdade do PÚBLICO/Renascença.

Até que ponto é possível um diálogo com o PS nos próximos tempos?
O PS tem de decidir o que é que quer ser no futuro. Neste momento, o PS é uma maioria absoluta que não chegou a ter estado de graça, que não cumpriu as suas promessas, nem na forma nem no conteúdo, porque não é mais dialogante, tem maior arrogância e cria mais instabilidade ao país.

Não há diálogo possível, então?
Há sempre diálogo possível. O diálogo não é uma decisão, não é uma questão de afirmação, não há um cálculo por trás disto, mas há políticas. A política determina o diálogo.

Num cenário sem António Costa continuam a rejeitar acordos com o PS ou ainda será possível no futuro?
O PS que existe é o PS de hoje, empenhado numa maioria absoluta arrogante e que escolheu um lado. Quando escolheu não aumentar os salários e fazer uma política de apoios pontuais, enquanto protege os lucros extraordinários da inflação, esta maioria absoluta escolheu um lado e esse lado empobrece as pessoas e cria desigualdades ao país. É uma governação contra as pessoas. E é em relação a essa maioria absoluta que eu tenho a obrigação e o dever de me posicionar. E tenho um dever ainda maior, que é o de criar alternativas e de apresentar soluções às pessoas. A esquerda existe para isso, não existe para ser só protesto, só denúncia, embora o faça com muita clareza.

Nos tópicos iniciais da moção, admitiam que o BE ia “procurar convergências políticas à esquerda com o PCP e outras forças”, mas na moção final retiraram a referência ao PCP. Porquê? Já não admitem um entendimento?
Os entendimentos que o BE procura, e que são os que contam porque são os duradouros, são os entendimentos em torno de políticas, ou seja, é preciso combater a especulação imobiliária, lutar por melhores salários e por actualizações salariais, por medidas de combate à precariedade, pelo SNS e pelo investimento na Saúde. É em torno dessas propostas que se constrói movimento social e é nesse movimento social em que o BE certamente participa — com as suas propostas, os seus activistas, a sua capacidade —, que nos encontramos, não só com o PCP, com toda a gente de esquerda, com muita gente do PS que não desiste e que continua a achar que é possível viver melhor.

Existe algum tipo de articulação entre o BE e o PCP para convocar a contestação social na rua?
O BE e o PCP encontram-se em muitos lugares da vida democrática, temos muita coincidência em votos no Parlamento, em matérias essenciais e certamente também nos encontramos em muitas reivindicações nos movimentos sociais. Fazemos parte de uma esquerda muito maior que o BE e o PCP, de um povo de esquerda que não desiste e acredita nesse projecto de solidariedade e rejeita a ideia da selvajaria de direita. Acho que nesse espaço existe sempre a vontade de haver confluência de forças e de energia.

Mariana Mortágua, Pedro Nuno Santos e Paulo Raimundo: é um cenário que gostaria de ver?
Temos que nos afastar desse tipo de cenários [futuristas] porque, sinceramente, eles não servem nada, a não ser para alimentar cenários jornalísticos e de comentário político. A política é diferente, a política não se faz nesse tipo de cálculos. O que importa é se é possível afirmar um projecto alternativo. Existe ou não existe uma maioria social para isso? Sem isso, não se faz nada.

Mas foi possível um diálogo com Pedro Nuno Santos, como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Imaginando que possa ser um entendimento mais fácil. É ou não é?
Tivemos no passado diálogos importantes e encontrámos interlocutores importantes e leais. (...) mas, para ser justa, acho que enganamos as pessoas quando lhes dizemos que fazer uma coisa ou fazer outra depende das pessoas serem mais simpáticas, menos simpáticas, de haver uma melhor relação pessoal ou uma pior relação pessoal. Esse acordo acabou quando António Costa decidiu que queria uma maioria absoluta e isso não depende de relações pessoais, isso depende de projectos políticos. (...) E o PS terá de decidir qual é o seu.

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