Avós que traem os pais

Falo dos avós que em lugar de se constituírem em aliados dos pais, posicionam-se como alternativa.

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@DESIGNER.SANDRAF

Ana,

Hoje mudo de equipa e faço eu uma birra contra uma espécie de avós, felizmente minoritária — os avós que entram em competição com os pais, dispostos a tudo para ganhar. Não me refiro aquelas coisas pequeninas, do “Ai ele gosta mais do meu bolo de chocolate do que do da mãe”, mas em coisas grandes. Como o amor dos netos.

Falo daqueles que em lugar de se constituírem em aliados dos pais, por exemplo, em momentos difíceis como a adolescência, ou melhor dito, em adolescências difíceis, posicionam-se como alternativa. E enchem os ouvidos dos netos com um discurso do género, “Meu querido, eles andam tão ocupados que nem têm tempo para te escutar e compreender, vem antes para casa da tua avó que ela sim, ama-te de verdade!”.

Ou que quando os pais castigam, tiram o telemóvel ou proíbem saídas à noite, contrapõem, em segredo, formas de escapar às sanções, ou sugerem mesmo que passe a viver com eles porque, por ali, as regras são mais flexíveis e generosas.

Espera, Ana, não andei a ver telenovelas, aparentemente estes casos existem mesmo e chegam inclusivamente a tribunal, testemunharam-no advogados, psicólogos e assistentes sociais num encontro recente. E não estavam a falar de avós que combinam com os pais uma estratégia em que uns fazem de "polícia bom" e outros de "polícia mau", nem de acolhimentos temporários para acalmar os nervos das partes em conflito, mas de avós, infelizmente mais frequentemente elas, que acreditam ser Joanas d'Arc, a quem cabe salvar os netos dos pais.

Provavelmente são ajustes de contas antigos com filhos, noras e genros e, segundo me explicaram, mais frequentes na sequência de divórcios, em que as regras do jogo ficaram baralhadas, mas a verdade é que se transformam em verdadeiras batalhas navais, destruindo a família inteira.

Sinceramente, tenho dificuldade em entender como se chega aqui, mas não hesites em dar-me na cabeça se sentires que me deu para concorrer contigo, oferecendo-me para adoptar uma das tuas adolescentes!


Querida Mãe,

Acho que testemunhos como esses deviam fazer parte do currículo dos cursos de preparação para o parto, obrigatoriamente frequentado não só por futuros pais, mas por futuros avós, para que desde o primeiro minuto:

1. Valorizássemos os pais-avós/filhos-pais que nos calharam em sorte, sabendo que apesar de todas as suas pequenas imperfeições ou mini embirrações são uma mais-valia gigante na nossa vida e na da criança que está para nascer.

2. Para tomarmos consciência de como estes laços têm de ser preservados e trabalhados, sem guerras de egos e vinganças que em lugar de alívio ou prazer, só corroem a felicidade e a tranquilidade de toda a gente à nossa volta.

Isto porque acredito que a melhor estratégia é agir antes de estes conflitos surgirem, porque é muito difícil racionalizar com as pessoas quando elas já estão tão magoadas e feridas, e ninguém se lembra sequer de como e onde é que todo aquele inferno começou. Compra a minha ideia?


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.

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