Marcelo recorreu três vezes ao TC em maioria absoluta, mas só ganhou uma

Presidente foi derrotado na argumentação sobre alterações ao regime de segurança interna e ordens profissionais. Em Belém, tão cedo não se vislumbra o recurso ao TC.

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O Presidente da República não deverá, num horizonte próximo, recorrer ao Tribunal Constitucional LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Desde que o PS governa em maioria absoluta, o Presidente da República já recorreu ao Tribunal Constitucional (TC) por três vezes, mais do que em todo o primeiro mandato: nas alterações ao regime de segurança interna, nas ordens profissionais e na despenalização da eutanásia. Só nesta última é que os juízes do Palácio Ratton lhe deram razão em parte e concordaram com a existência de inconstitucionalidades. Nos outros dois pedidos de fiscalização preventiva, Marcelo foi derrotado na argumentação: os diplomas passaram no crivo do TC.

Em Belém, esta contabilidade negativa é desvalorizada: a composição dos juízes não se alterou com a maioria absoluta e esta relação com o TC não é vista como uma guerra. Por outro lado, ao que o PÚBLICO apurou, parecem esgotadas as possibilidades de o Presidente voltar a recorrer ao TC tão cedo, já que não há, num horizonte próximo, decretos parlamentares que suscitem dúvidas ao chefe de Estado, à excepção da eutanásia.

Com uma margem mais reduzida para travar um diploma oriundo da Assembleia da República por força da maioria absoluta dos socialistas, o Presidente assumiu que tenderia a recorrer mais ao TC em casos de dúvidas sobre leis que tocam em direitos fundamentais de cidadãos.

Mas, até agora, o antigo professor de direito constitucional foi vencido nas alegações sobre inconstitucionalidades no diploma que concretiza a separação dos gabinetes da Europol e Interpol da alçada da Polícia Judiciária, bem como no regime que reduz poderes das ordens profissionais.

No radar do Presidente, estavam também os diplomas sobre os metadados (dados de localização das chamadas telefónicas e ligação à Internet) e sobre emergência sanitária por causa da pandemia de covid-19, mas ambas as leis estão em banho-maria à espera do processo de revisão constitucional que está em curso.

No caso das ordens profissionais, que foi uma das batalhas dos socialistas e que mereceu forte contestação por parte das entidades visadas e da oposição, o acórdão desta segunda-feira considerou que Marcelo não tinha razão quando levantou dúvidas sobre o respeito de princípios como os da igualdade e da proporcionalidade, da garantia de exercício de certos direitos, da auto-regulação e democraticidade das associações profissionais.

Em reacção ao acórdão, que foi aprovado por unanimidade em três das cinco normas analisadas, o Presidente justificou o seu pedido de fiscalização preventiva com a necessidade de ter “certeza e segurança jurídica”, lembrando que havia dois pontos de vista opostos: o do Governo, que garantia a constitucionalidade do diploma, e o da oposição, que defendia o contrário. Foi nesse quadro que Marcelo disse ter enviado o decreto para o TC, embora já tivesse assumido há meses que o diploma teria de ser validado naquele tribunal.

Decisão semelhante foi pronunciada pelo TC a propósito das dúvidas do Presidente sobre se a concentração de poderes relativos ao Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional na figura do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna se poderia traduzir no acesso a informações relativas a investigações criminais em curso. Uma dúvida que foi bastante evidenciada pelo PSD e pelo Chega, bem como por agentes da justiça.

Os juízes do Palácio Ratton não concordaram com as alegações e declararam que o diploma estava conforme à Lei fundamental.

Só no caso da despenalização da eutanásia, o TC concordou com a necessidade de clarificar o conceito de “sofrimento intolerável”, embora não tivesse aceitado a maior parte da argumentação do Presidente da República, nomeadamente a que incidia sobre o conceito de doença grave e incurável.

O diploma voltou para o Parlamento para ser alterado, mas depois de concluído o Presidente pretenderá que passe de novo pelo crivo do TC.

Só um chumbo dos juízes do Palácio Ratton a um decreto parlamentar exige uma maioria muito mais ampla para poder ser aprovado e nunca foi tentado no regime democrático – do que a devolução de um diploma ao Parlamento por parte do Presidente. É que o veto político a um decreto aprovado no Parlamento pode ser ultrapassado por uma maioria simples (116) dos deputados em efectividade de funções. Já os decretos do Governo que compõem a maioria da legislação de um governo com maioria absoluta podem ser travados em definitivo pelo Presidente da República.

É nesse contexto que se pode compreender que Marcelo tenha evitado recorrer ao TC no primeiro mandato: em cinco anos, só pediu a apreciação de duas leis, a da procriação medicamente assistida e a da eutanásia. Já depois da reeleição, em Janeiro de 2021, o Presidente enviou outras duas leis, a do Cibercrime, e a da Carta da Era dos Direitos Digitais (neste caso, o pedido foi de fiscalização sucessiva, após a promulgação), antes das eleições legislativas de 2022. O que contrasta com as três leis enviadas já durante a maioria absoluta do PS.

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