Ruptura ou continuidade? Órgão de gestão dos juízes vai a votos

Afonso Henrique garante que continuará a exercer o cargo depois dos 70 anos, se vencer eleições. Azevedo Mendes fala em “aparência de nepotismo”.

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Conselho Superior da Magistratura Rui Gaudêncio

Nem tudo os divide: são ambos homens que gostam do mar. Com 64 anos, Luís Azevedo Mendes ainda aprecia um banho no Inverno nas águas gélidas da Figueira da Foz, cidade onde mora. Quatro anos mais velho, Afonso Henrique tinha como seu desporto preferido a natação, que foi obrigado a abandonar devido a problemas de coluna. Mas continua a ser assíduo frequentador da praia, até porque não mora longe do Guincho.

Chegou a temer-se não existirem candidatos, mas afinal vão disputar a vice-presidência do Conselho Superior da Magistratura (CSM), órgão de disciplina e de gestão dos juízes. E se Luís Azevedo Mendes se assume como o rosto da mudança, deixando críticas aos que agora cessam funções, já Afonso Henrique não renega pertencer à linha de continuidade, ou não tivesse sido até aqui chefe de gabinete do conselho.

Na sua carta de apresentação, o juiz mais novo fala do distanciamento entre os juízes e o seu principal órgão de governo. “Não queremos a desconfiança presente, explicada pelo andar errático de um CSM que perdeu na identidade, na afirmação, na proximidade e no amparo do corpo de juízes”, critica. Mas vai mais longe: “Queremos um CSM com critérios previsíveis, inibidores das aparências de nepotismo”. Nepotismo? “Aparência de nepotismo”, corrige o candidato, que sabe como as palavras podem trazer complicações.

Em 2018, era então presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, resolveu chamar “emplastro que empata” ao organismo público que gere o sistema informático dos tribunais. O que lhe granjeou uma queixa no CSM, entretanto arquivada.

Desta vez, o alvo das suas críticas é o sistema que rege a progressão dos juízes na carreira. Com 64 anos, acabou de ser nomeado conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça – categoria sem a qual não podia concorrer ao cargo. “E ninguém aqui chega antes dos 63”, lamenta, graças à lenta progressão e ao envelhecimento de uma profissão a precisar de mais sangue novo. “É preciso apostar no recrutamento de mais juízes”, defende. A idade é um problema? Pode vir a ser.

O mandato de vice-presidente do CSM é de quatro anos, e Afonso Henrique tornar-se-á septuagenário no ano que vem, o que faz com que haja quem entenda que não terá qualquer possibilidade de levar a sua missão até ao fim caso seja eleito, por questões de obrigatoriedade de aposentação.

Juiz Afonso Henrique DR
Juiz Luís Azevedo Mendes DR
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Juiz Afonso Henrique DR

Mas o candidato mais velho assegura que assim não é: “Nada me impede de completar o mandato, porque esse limite só se aplica às funções jurisdicionais [julgar num tribunal], e este cargo apenas implica funções de gestão e administração”.

Divergências à parte, tanto um como outro já desempenharam funções na Associação Sindical de Juízes Portuguesas, que optou, nestas eleições, por não apoiar nenhum dos concorrentes.

Da lista de processos mediáticos que Afonso Henrique já decidiu fez parte o do foguete luminoso lançado na final da Taça de Portugal de 1996, entre o Sporting e o Benfica, que causou a morte a um adepto. O juiz decidiu que tanto o agressor como a Federação Portuguesa de Futebol teriam de indemnizar a família da vítima, decisão que veio a ser confirmada pelos tribunais superiores. Anos mais tarde, já estava na Relação de Lisboa, decretou que uma menina cigana de 14 anos não podia abandonar o ensino obrigatório.

Já o seu rival prefere não mencionar os casos que teve em mãos: “Os juízes não devem ser dados a mediatismos nem a popularidade”, justifica.

Às suas afirmações de que o CSM tem sido demasiado passivo, deixando espaço ao Ministério da Justiça para se imiscuir em matérias que deviam ser da competência deste órgão, Afonso Henrique responde tratar-se de uma “crítica sem conteúdo”. E dá exemplos de algumas realizações do mandato que agora termina: a criação de assessorias para os juízes e a implementação da medicina no trabalho.

Carreira política e a judicatura

Mas também ele acha que a avaliação do desempenho dos juízes deve mudar, valorizando mais o exercício da função do que pós-graduações ou conferências. E revê-se nas afirmações do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, que é quem por inerência de funções preside ao CSM: “Os magistrados judiciais que optem pela carreira política não devem poder regressar à judicatura”, sob pena de comprometerem a sua imagem de imparcialidade. O assunto está de resto em debate entre os membros do conselho, órgão de que não fazem parte só juízes.

Na carta em que anuncia a sua candidatura, Afonso Henrique apresenta o principal motivo para entrar na corrida: “Estar ciente de que a independência dos juízes exige uma luta permanente e não se esgota no acto de julgar”. E fala das novas tecnologias, “que não podem descaracterizar a essência de ser juiz: fazer justiça”, numa altura em que está na ordem do dia a discussão da entrada da inteligência artificial nos tribunais.

Até hoje, a reivindicação de sucessivos dirigentes do CSM de passar para as mãos deste órgão a gestão das plataformas informáticas em que assenta o trabalho nos tribunais não passou disso mesmo - continua a ser o Ministério da Justiça a tomar conta de tudo. Disso fala também Luís Azevedo Mendes: “Queremos a superação do arcaísmo que tem o CSM como simples órgão disciplinar, afirmando antes o seu moderno perfil de responsabilidade na macro-gestão dos tribunais”.

Os dados estão lançados. Com a Páscoa pelo meio, os candidatos receiam não ser já muito o tempo para se lançarem à campanha. Dia 12 de Abril os juízes dirão de sua justiça.

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