Das Caldas para o Coachella, Holly é o produtor português que faz da música um skatepark

Dos beats do hip-hop à música electrónica; da nomeação ao Grammy às actuações no Coachella; das Caldas da Rainha para Los Angeles: Holly continua a ”skatar” no mundo da música.

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Holly é produtor e vive em Los Angeles DR/XZ

Ninguém está preparado para ouvir um produtor de música dizer que, “por norma”, não ouve muita música. Parece contraditório, mas só assim é possível tomar decisões artísticas livres, sem “influências do que está a acontecer” fora do estúdio, e continuar na busca pela sonoridade original, pelo que (ainda) “não existe”. Palavra de Holly.

Miguel Oliveira, nascido nas Caldas da Rainha em 1995, actualmente a viver em Los Angeles, skater reformado, repetente no Coachella, nome constante no hip-hop (e não só) português e presente nos créditos de Hot 44, de Baauer, que faz parte da banda sonora do último Batman. O currículo de Holly podia começar mais ou menos assim, mas seria injusto deixar de fora a adolescência, parte determinante no nascimento do artista.

Aos 13 anos percebeu que o seu prazer era “pôr os sons que ouvia no skatepark no MP3 e 'skatar' com música a altos berros nos auscultadores”. Começou a descobrir a cena de rua, “o grafitti e um cheirinho de hip-hop” primeiro, os concertos de hardcore punk depois. Nesta altura, Holly tinha a certeza de que queria fazer, profissionalmente, “algo relacionado com o skate” – até que um braço partido lhe deu um “reality check”: “Quero continuar a arriscar a minha saúde física em prol do próximo truque?”, pensou.

Foi o irmão, Dj Ride, que lhe deu a ideia de começar a fazer beats: “Fiquei com o bichinho. Arranjei o Fruity Loops, um amigo passou-me alguns sample packs e aí começaram as minhas experiências com a música. Queria compor, experimentar e perceber como podia produzir”, conta. E “queria mesmo” era que os amigos rimassem com os beats que produzia. “Comecei a pôr alguns beats no Soundcloud e um rapper dos Estados Unidos fez uma música com um beat meu. Foi aqui que percebi o poder da Internet para ligar culturas.”

Mudou-se para Lisboa, mais para estar em Lisboa do que para estudar Sociologia. Juntou-se a um colectivo que reunia nomes como Vilão, ProfJam, Mike el Nite. Daí começam a surgir os concertos e uma realização: “Uau, até aqui fazia música no meu quarto e aqui há uma plataforma onde me posso expressar. E isso deu-me bastante pica.”

Grammy, Coachella, Danny Brown

Dos concertos no Park, em Lisboa, surgiram outros voos (literalmente): Austrália, Estados Unidos, China. Foi em Los Angeles que encontrou o imaginário do skate que sempre influenciou a sua vida: “Os dias eram tão preenchidos, conheci tanta gente que cresci a ouvir, estava em contacto com tantas realidades diferentes... Voltava sempre a Portugal e era bué pacato, as coisas não andavam tão rápido como eu gostava e senti que para fazer as coisas acontecer tinha que sair de Portugal”, conta. Em 2017, comprou um bilhete de ida.

Desde então, o currículo tem vindo a crescer. Afirmou-se na música electrónica e captou a atenção de aclamados produtores, como Baauer (lembram-se do Harlem Shake?), com quem, em 2021, co-produziu oito faixas do álbum Planet Mad, nomeado para um Grammy na categoria Melhor Álbum de Dance/Electrónica. Uma das músicas que tiveram toque do produtor português, Hot 44, fez, no ano seguinte, parte da banda sonora do Batman de Matt Reeves. Foi também em 2022 que Holly actuou, pela segunda vez, no Coachella.

Recentemente lançou o EP Minha Vida –​ Love, que dá início à trilogia de EP Minha Vida, a expressão de uma jornada complexa, a lidar e processar emoções, com faixas produzidas durante o confinamento, altura em que esteve em Portugal.

Na longa lista de artistas nacionais com quem já trabalhou, destacam-se nomes como Dengaz, Papillon, Wet Bed Gang, Gisela João ou Slow J, para quem co-produziu a recentemente lançada Where U @. Lá fora, produziu para Danny Brown – o que lhe valeu uma Medalha de Mérito Cultural atribuída pela Câmara Municipal das Caldas da Rainha. E ainda há poucos meses estava num camp com Timbaland.

Coisas que vão acontecendo, amigo puxa amigo e os conhecimentos vão alargando. “Nunca tive o mindset de ir [para o estúdio] para fazer conhecer pessoas da indústria. Para mim, sempre foi como ir ao skatepark: vou ver com quem curto skatar e com quem não curto. Essa mentalidade de skatepark sempre esteve relacionada com a música sem eu dar por isso. E essa é a energia que tem atraído todos os seres humanos incríveis que têm contribuído para o meu conhecimento e para a minha música”, garante.

E é assim que vai vivendo “esta vida dupla”: de um lado, “os próprios projectos, os próprios concertos”, o correr o mundo – ou “viver a vida” – com o cancelamento de ruído activado e Ryuichi Sakamoto em play; do outro, o trabalho com outras pessoas, “ajudá-las a pôr na música o que querem expressar, a desenvolver a arte dos outros”, contribuindo com a sua.

A isto juntam-se as sessões no estúdio, o trabalho com uma editora americana, o produzir “sem saber muito bem” para onde a sua música está a ir, mas com a certeza de que leva o “feeling” que considera obrigatório num bom beat. É que, no final, a forma como Holly vê a música é universal e indesmentível: “Ou toca ou não toca no coração.”

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