Ela sobreviveu a um cancro estádio IV, depois foi passo a passo até ao topo do Kilimanjaro

A fé move montanhas? Tobi acredita. Até porque a montanha pode estar dentro de nós. Em 2013 estava a morrer. Ciência, força e fé, sempre a subir, até ao topo de uma das montanhas mais altas do mundo

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Tobi Sample, 49 anos, no topo do Kilimanjaro Dr

Há dez anos, Tobi Sample estava a morrer.

O cancro no estádio VI não estava a responder aos tratamentos. A sua família decidiu fazer umas últimas férias. Ela e o marido conversaram sobre os cuidados paliativos. Tobi escreveu cartas para as suas filhas lerem durante os momentos importantes das suas vidas, que elas viveriam sem a sua mãe.

Mas Tobi Sample sobreviveu – e este mês escalou uma das montanhas mais altas do mundo.

“Sou uma daquelas pacientes que não segue sempre as regras, acho eu”, disse ela na quinta-feira.

A caminhada de Sample, a viver com a família no estado de Indiana, EUA, até ao cume do monte Kilimanjaro foi simultaneamente uma angariação de fundos para uma instituição de solidariedade que trabalha no Ruanda e uma oportunidade para mostrar a si própria o quão longe ela chegou desde o seu diagnóstico. Sample, 49 anos, está entre as inúmeras pessoas que realizaram a viagem sofrida que se segue a uma doença tão grave, que as obriga a enfrentar a incerteza de viverem cada dia como uma dádiva sem saberem o que trará o amanhã.

O seu choque directo com a mortalidade chegou em 2013, quando começou a viver com dores excruciantes. Um tumor pressionava a sua medula espinal. Outro começou a corroer a sua clavícula. O único medicamento disponível para a sua condição específica fez com que um dos seus tumores quadruplicasse de tamanho.

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Aos pés do Kilimanjaro REUTERS/Finbarr O'Reilly (arquivo)

Nesse Verão, ela dependia de oxigénio suplementar e mal conseguia sair da cama. A sua família pensava que ela tinha meses de vida.

Era apenas este estranho crepúsculo de consultas médicas e desespero e pânico e tristeza, disse o seu marido, Stephen Sample.

Na altura, Stephen descobriu um ensaio clínico que parecia promissor. Ele e a irmã da sua mulher dividiram entre si uma lista de hospitais participantes e começaram a fazer chamadas. Depois de um hospital na Carolina do Norte ter aceitado que Tobi Sample participasse no seu programa, ela começou as viagens do Sul de Indiana para o local, para tratamentos de três em três semanas durante um ano.

O novo medicamento funcionou. Em 2015, voltou um exame com notícias milagrosas: Sample não mostrou indícios de doença activa.

Livre de dor, ela começou a voltar à sua vida pré-cancro. Voltou a correr a meia maratona, queimou as cartas que tinha escrito às filhas. Depois... decidiu escalar o Kilimanjaro em benefício de Africa New Life, uma instituição de solidariedade cristã, através da qual patrocinou a educação de uma rapariga ruandesa.

O médico de Tobi não gostou da ideia. Avisou-a de que a erosão do tumor no braço significava que ela poderia partir um osso só a escovar o cabelo, quanto mais a tentar atingir um pico com mais de 5895 metros de altura.

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Kilimanjaro REUTERS/RADU SIGHETI (ARQUIVO)

O seu marido estava menos preocupado. Ele disse que sabia que ela era dura, e que não se preocupava com os seus ossos ou com o seu corpo. Em vez disso, disse, alertou a mulher para não deixar que a sua teimosia a conduzisse a outros problemas, como a debilitante doença de altitude e a inerente falta de oxigénio.

Estou casado com ela há 25 anos, e uma coisa que aprendi é que ela faz sempre aquilo que diz que vai fazer, afirma Stephen Sample. Se alguma coisa correr mal, ela sabe lidar com isso.

Tobi Sample deveria inicialmente escalar a montanha em 2020, mas a viagem foi cancelada por causa da pandemia de covid-19. Com muito tempo para treinar, Sample dedicou-se a fazer corridas, com treinos intervalados para se preparar. Não tinha caminhado muito antes, mas sentia-se confiante de que poderia fazer a viagem.

A 1 de Fevereiro, Sample e outras 17 pessoas iniciaram a caminhada pelo Kilimanjaro, no Nordeste da Tanzânia. O grupo caminhou na sua maioria durante seis dias e meio: oito quilómetros num dia, dez no outro, sete no outro. Levavam mochilas recheadas de roupa para todas as condições meteorológicas, enquanto os carregadores de um serviço de guias levavam as malas maiores de um campo para o outro.

Cada dia era como estar numa montanha diferente, diz Sample. Partes da viagem passaram pela floresta tropical, enquanto outras partes exigiam escalada em rocha. Ao longo de tudo isto, os guias encorajavam os caminhantes, lembrando-lhes que deveriam mover-se pole pole swahili para devagar.

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Kilimanjaro Reuters (arquivo)

No dia previsto para atingir o cume, o grupo acordou de um breve sono à meia-noite e meia. Viajaram durante a noite e chegaram ao topo de dia.

Sample tinha uma terrível dor de cabeça provocada pela altitude e estava desesperada por dormir. Mas sentiu uma enorme gratidão pelo que tinha conseguido, apesar de os médicos a terem avisado que o cancro lhe tinha desgastado o corpo.

Senti-me tão grata por poder levar uma mochila de 12 quilos às costas, coisa que não deveria ser capaz de fazer, disse ela. Não há explicação para isso.

Após a caminhada, Sample voou com o grupo para o Ruanda para uma celebração com as crianças que apoiam. Ela tinha angariado 13.945 dólares (cerca de 13 mil euros) para o programa alimentar da Africa New Life e estava feliz por ver o dinheiro ir para uma comunidade pela qual se tinha apaixonado.

Betty Davis, uma porta-voz da instituição, disse que saber o que Sample já tinha suportado na vida ajudou a reforçar a motivação de outros caminhantes nos momentos em que se esforçavam para continuarem a caminhada.

Aqueles dias na montanha são realmente difíceis, disse Betty Davis. E saber o que ela passou e o que ela conquistou e como Deus a ajudou a passar por isso é realmente extraordinário.

Tobi Sample, diz o seu marido, está a viver uma vida que não deveria existir. Conta que Tobi tem passado grande parte do tempo, depois do seu regresso, a tentar provar que não só pode viver uma vida normal, como também pode crescer como pessoa.

Com a sua aventura pelo Kilimanjaro às costas, Sample tem a oportunidade de decidir agora o seu próximo grande passo. Uma das suas ideias está enraizada na sua experiência da última década: inspirada pela sua odisseia com o cancro, Sample dedicou-se durante alguns anos ao trabalho de enfermeira oncológica, ajudando outras pessoas a enfrentar a doença.

A sua próxima aventura, disse ela, deverá ser precisamente regressar a essa missão.

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