A saúde mental não é um banner publicitário

De modo a realmente ajudar o colaborador, um gesto simples como uma falta justificada para psicoterapia poderia fazer uma grande diferença.

Foto
Saúde mental Unsplash

Temos sido sistematicamente bombardeados para a importância da saúde mental. O que inicialmente parecia revelar uma nova aurora sobre a importância da temática, rapidamente se transformou num assalto da propaganda capitalista à vulnerabilidade das pessoas.

A nova modalidade está em aliar uma campanha publicitária que vise sensibilizar as pessoas para as problemáticas psicológicas. Uma das mais recentes foi elaborada por volta do período natalício por uma empresa de telecomunicações. À primeira vista, como empresa de telecomunicações, parecia que se estava a redimir do escândalo da France Telecom em 2006, que através da pressão e do assédio constante aos seus trabalhadores, conduziu a cerca de 35 suicídios.

O que sugeria uma evolução face às práticas de saúde mental, revelou-se apenas fogo-de-vista, já que passadas algumas semanas, um antigo colaborador viria a expor que teria sido descartado dessa mesma empresa devido ao seu quadro de ansiedade. Outros relatos vieram confirmar essa cultura da incoerência nesta e noutras operadoras de telecomunicação. Demonstrando que, no que diz respeito às empresas de telecomunicações, estas regem-se pela velha máxima “olha para o que eu te digo, não olhes para o que eu faço”.

Nesse sentido, não me parece que as empresas estejam realmente preocupadas com a coerência e a honestidade sobre o assunto. Na verdade, vários estudos apontam que a promoção da saúde mental, através dos canais de media, fomentam o online engagement. O online engagement é o vínculo criado entre a marca e o potencial cliente. Usualmente esse vínculo aumenta as partilhas da empresa de forma orgânica ampliando a sua visibilidade, sem a necessidade de a comprar, através das redes geradas pela partilha da informação.

Paradoxalmente esta atitude pode corroborar no oposto. Já que a utilização de linguagem e imagens estereotipadas podem favorecer o descrédito e a estigmatização das pessoas que lidam com problemas psicológicos. Além disso, pode ainda diminuir a confiança atribuída à empresa.

Ainda que elenque estas críticas, acredito que a saúde mental deva tornar-se pública, através de uma praxis verdadeiramente genuína dentro das empresas. Tal como nos Estados Unidos, onde 67% dos empregadores pretendem incluir programas ajustados à saúde mental dentro das suas empresas.

Esses programas podem incluir:

  • Treino de gestores para a consciencialização, identificação e intervenção em alguns dos quadros psicológicos mais frequentes;
  • Promover uma cultura aberta sobre o fenómeno da saúde mental, incentivando os funcionários a falar, sem medo de represálias;
  • Campanhas de formação interna no âmbito da saúde mental;
  • Uso de equipas de outsourcing para planos emergenciais.

Por exemplo, neste último ponto, as empresas americanas mais mediáticas aderiram a programas da Modern Health. Por cá, as empresas portuguesas ainda têm de fazer um longo caminho, mas já podem beneficiar de alternativas: por exemplo, a Mind Partner, da minha colega Marta Parreira, dispõe de um botão de pânico para colaboradores das empresas aderentes.

Não obstante, de modo a realmente ajudar o colaborador, um gesto simples como uma falta justificada para psicoterapia poderia fazer uma grande diferença. Ou então uma política de marketing menos platónica, onde as marcas simplesmente dissessem: “Já comprou o que precisa? Então seja feliz por uns tempos com isso”. Porém, se a meta fundamental do marketing é a venda, então deixem a saúde mental para os especialistas.

Por fim, mais uma última palavra para as empresas. Não se esqueçam que as mudanças vêm de dentro para fora e não no espelho publicitário.

Sugerir correcção
Comentar