Selecção nacional feminina faz história e vai ao Mundial de futebol

O crescimento do futebol feminino tem sido evidente nos últimos anos, mas carecia de uma prova suprema. Agora, ela já existe — e, com muito drama à mistura, Portugal vai ao Mundial pela primeira vez.

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As jogadoras de Portugal titulares frente aos Camarões Reuters/DAVID ROWLAND
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Em Portugal, o futebol já não é só dos homens. A selecção nacional feminina garantiu nesta quarta-feira, pela primeira vez na história, a presença num Campeonato do Mundo.

Com o triunfo (2-1) dramático e sofrido frente aos Camarões, no play-off intercontinental, a selecção nacional sabe que estará no Mundial 2023, marcado para Julho e Agosto, na nova Zelândia.

Num estádio praticamente vazio — mas sob o olhar da estrela Samuel Eto’o, actual presidente da Federação camaronesa —, Portugal, que venceu com um penálti aos 90+4', deu mais um passo na legitimação do crescimento do futebol feminino, modalidade que já não prospera apenas na vertente masculina.

Em Hamilton, pelas 8h30 de Portugal continental, houve festa rija, sorrisos, lágrimas e a conclusão de um processo que já leva alguns anos. Desde 1981, o primeiro jogo da selecção, e 22 de Fevereiro de 2023, o dia do apuramento para um Mundial, muita coisa foi feita. Mas bem feita, e feita bem a sério, talvez só na última década. E Portugal vai, finalmente, nadar na piscina dos grandes.

De onde surgiu isto?

Há um trajecto que permite prever que Portugal não seja uma selecção “one hit wonder” [uma só “música” de sucesso].

O crescimento gradual da selecção nacional tem sido apenas uma extensão do percurso feito, em geral, em toda a vertente feminina de uma modalidade tradicionalmente forte no país, mas com base quase total na vertente masculina.

Clubes como Sporting, Sp. Braga e Benfica entraram na modalidade, a Liga ganhou mais equipas, mediatismo e um patrocinador forte, jogadoras nacionais começaram a ser “exportadas” e o talento estrangeiro começou a chegar. Depois, vieram resultados.

No mediatismo, com assistências maiores nos estádios (o último Benfica-Sporting teve 15 mil pessoas) e duplicação, em dez anos, do número de praticantes — que já são 12 mil federadas, segundo o Pordata. No plano desportivo, com o Europeu, em 2017, e repetição de um Campeonato da Europa, em 2022, conjugado com alguns momentos interessantes dos clubes nacionais a nível europeu.

Apesar desse crescimento, Portugal carecia de um momento especial a nível de selecções. E cá está ele. O maior de sempre.

Dadas as boas notícias, seguem, agora, as menos boas. Portugal já sabe que vai integrar o grupo E do Mundial, o que significa algo tão simples como ter pela frente as campeãs do mundo, Estados Unidos, e as vice-campeãs do mundo, Países Baixos. Em tese, a maior possibilidade de ser feliz virá do duelo com o Vietname.

O suplício está prometido, mas fica para daqui a uns meses. Hoje é dia de festa.

Como começou?

Em Hamilton, na ilha Norte da Nova Zelândia, o jogo de Portugal pareceu desde cedo condenado ao sucesso. A selecção dos Camarões mostrou limitações evidentes desde o primeiro minuto, não apenas a nível técnico, mas sobretudo no prisma da organização.

O trabalho sem bola era bastante anárquico e refém de referências individuais e Portugal foi encontrando espaço em todo o lado: entre linhas, em largura e em profundidade. E não é comum uma equipa de futebol dar espaço em todos estes locais do campo.

Com um 4x4x2 losango encabeçado ofensivamente por Kika Nazareth, ao jogo de Portugal só estava a faltar capacidade de colocar a jogadora do Benfica em jogo, porque seria dos pés talentosos de Kika que sairia sempre o maior “perfume”.

Apesar de a tremenda povoação camaronesa na zona central estar a dar dificuldades a Kika de trabalhar de frente para o jogo, como tanto gosta, a número 20 de Portugal conseguiu ser, ainda assim, o foco do ataque.

Cabeceou ao poste logo aos 2’, num canto, e bateu um livre aos 22’, novamente ao poste, com a recarga de sucesso, para o 1-0, a surgir dos pés da central Diana Gomes, perante uma réplica defensiva camaronesa muito incapaz.

Apesar de claramente superior em todos os momentos do jogo, Portugal estava com alguma dificuldade em criar verdadeiro perigo em ataque posicional. A solução mais eficaz passou quase sempre por atrair (e era fácil fazê-lo) a pressão mais alta das camaronesas e explorar, depois, a largura ou a profundidade.

As duas “Silvas”, Diana e Jéssica, criaram vários desequilíbrios através da velocidade e foram frequentemente paradas em falta por adversárias com pouco pudor em usar o contacto físico e as infracções.

Aos 41’ houve uma oportunidade de golo perdida por Jéssica, numa transição, e outra por Carole, aos 44’, e, apesar de não estar a ser um “festival” de golos perdidos, o jogo já justificava uma diferença maior no marcador.

Como acabou?

Portugal regressou do intervalo com intensidade para resolver o jogo. Kika e Diana Silva tiveram bons lances de finalização e Andreia Norton inventou um remate que levou a terceira bola ao poste da baliza dos Camarões.

Nesta fase do jogo, Kika estava a conseguir entrar na partida e o futebol de Portugal ganhou alguma clarividência, sobretudo na tomada de decisão e na maior variedade de soluções — mantinha-se a exploração do espaço, mas agora também com mais capacidade de ligar o jogo por dentro, com a técnica apurada de Kika, e não apenas na velocidade das avançadas.

Kika esteve novamente perto do golo aos 65’, depois de uma jogada individual de Jéssica Silva, e aos 70’, isolada por Diana Silva.

Falhados mais dois lances de perigo, Kika acabou no banco, curiosamente na fase em que estava mais capaz no jogo e na fase em que os Camarões, tendo tirado uma jogadora da linha defensiva de cinco, iriam dar (ainda) mais espaço entre linhas.

O seleccionador Francisco Neto quis dotar a equipa de maior capacidade nos duelos e frescura física, com duas jogadoras para o meio-campo, e Portugal assumiu que o que restava da partida seria feito na base das transições e do menor risco posicional.

Mas esse era o plano. Na prática, foi diferente. Aos 84', Portugal foi apanhado numa situação incompreensível nessa fase do jogo e com o resultado que existia: desposicionado e a defender com apenas três jogadoras. A transição dos Camarões deu golo, mas Portugal pôde respirar de alívio: havia fora-de-jogo.

O susto era aquilo de que a selecção precisava para não mais ser apanhada neste tipo de aventuras até ao momento da festa? Em tese, sim. Mas a equipa estava totalmente perdida, fisicamente em perda e incapaz de suster as camaronesas, bastante mais intensas com e sem bola. Aos 89’, Nchout teve espaço à entrada da área e, com parca réplica portuguesa, rematou para o 1-1.

Já em tempo adicional, um remate de Andreia Jacinto foi cortado com o braço e houve penálti. Carole converteu o pontapé e Portugal vai mesmo ao Mundial.

Ainda assim, ficou claro para todos que, num Mundial, caos e pânico defensivos semelhantes a este, em vantagem no marcador, poderão não acabar com sorrisos.

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