Requisição de casas para arrendamento: “Um acto análogo a uma expropriação”, diz Paulo Otero

A requisição de casas para arrendamento levanta dúvidas de constitucionalidade, defendem juristas. Paulo Otero, professor da Universidade de Lisboa, também vê choque com a Lei de Bases da Habitação.

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Governo tem novas regras para o arrendamento de casas daniel rocha

O primeiro-ministro está certo da legalidade da requisição pelo Estado de casas devolutas para arrendamento, mas juristas ouvidos pelo PÚBLICO não têm dúvidas da inconstitucionalidade desta medida prevista no pacote da habitação apresentado quinta-feira por António Costa. “Um acto análogo a uma expropriação, sem base constitucional”, diz Paulo Otero, professor de Direito da Universidade de Lisboa, que também não encontra sustentação para a medida do Governo na Lei de Bases da Habitação.

Referindo-se ao que está previsto na Lei de Bases da Habitação, Paulo Otero explica que, no que respeita à propriedade privada, “há apenas um dever de incentivar” por parte do Estado, e “não a possibilidade de requisitá-las [as casas] ou de algum modo de exercer um arrendamento compulsivo”.

A requisição de casas devolutas está prevista por lei desde a entrada em vigor da Lei de Bases da Habitação, em 2019. O diploma define que o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais têm o dever de promover o uso efectivo de habitações devolutas de propriedade pública e incentivar o uso efectivo de habitações devolutas de propriedade privada, em especial nas zonas de maior pressão urbanística.

Além disso, o especialista em direito constitucional adianta que “a figura do arrendamento compulsivo está prevista na Constituição, nos termos do artigo 88.º, n.º2, apenas para os meios de produção ao abandono”. Ora, “uma casa para arrendar não é um meio de produção”, adianta o professor. E conclui: “Diria que um arrendamento compulsivo é um acto análogo a uma expropriação. Não tem base constitucional no âmbito dos imóveis – que não são meios de produção para efeitos de arrendamento.”

Sem qualquer dúvida que a medida em causa tem “um problema de inconstitucionalidade”, afirma o professor de Direito Constitucional da Universidade de Lisboa, que adianta, no entanto, alternativas para que o Governo possa “incentivar o arrendamento” e que passam por soluções de natureza fiscal.

Como, por exemplo, aumentar o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) “significativamente” no regime das casas devolutas, uma penalização que pode ser agravada “à medida que os anos passam sem que a casa fosse alocada no arrendamento”; “isentar ou reduzir a tributação em sede IRS das rendas provenientes de novos arrendamentos ou de arrendamentos de casas que estavam devolutas há x anos”; ou “fixar um prazo para alienar [a casa] se não for colocada no mercado de arrendamento, ou se não se lhe der uso”, admite o especialista, acrescentando que, no entanto, até esta última proposta pode “suscitar dúvidas sobre se não seria uma alienação compulsiva”.

Mais cauteloso é Vitalino Canas, professor auxiliar da Faculdade de Direito de Lisboa e antigo deputado do PS. Este docente lembra que o direito de propriedade não está completamente blindado na Constituição e que existem muitos acórdãos do Tribunal Constitucional que 'beliscam' esse direito. Pelo que será necessário esperar pelo desenho concreto das medidas, ainda que admita que possa vir a estar em causa uma restrição ao direito de propriedade que pode ser considerada desproporcionada.

Incentivos ou penalizações fiscais

Para Paulo Otero, vai ser importante perceber o conceito de casa devoluta. No entanto, a conclusão é óbvia: o Estado pode usar mecanismos de incentivo, “o que o Estado não pode é impor um arrendamento contra a vontade dos proprietários porque as casas não são um meio de produção ao abandono”.

Luís Menezes Leitão, ex-bastonário da Ordem dos Advogados, alinha pela mesma conclusão. A medida é “claramente inconstitucional”, disse ao PÚBLICO, acrescentado que a questão será levada ao Tribunal Constitucional, “seja solicitando a questão em abstracto, seja apoiando os nossos associados”.

O também presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, que tem os direitos reais como uma das áreas de especialização, refere que as sanções que existem para imóveis devolutos passam pelo “agravamento de impostos” e considera que esta medida vai causar o “pânico” junto dos emigrantes que têm casa em Portugal mas só a frequentam por um curto período de tempo.

Confrontado com o facto de o primeiro-ministro argumentar, no âmbito da apresentação do pacote de medidas da habitação, que esta solução não tem qualquer problema de legalidade, Menezes Leitão atira: “O primeiro-ministro tem por hábito defender medidas inconstitucionais. Já aconteceu durante a pandemia. O Tribunal Constitucional decretou tudo inconstitucional. Temos pena que o Estado não tenha sido penalizado.” Com Leonete Botelho

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