Padre Anselmo Borges: “O segredo da confissão é, para mim, inviolável”

A Igreja tem de se dispor a apoiar financeiramente as vítimas. A prazo, o fim dos seminários e do celibato obrigatório têm de ser equacionados, sugere o padre Anselmo Borges.

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Padre Anselmo Borges, teólogo e professor de Filosofia asm ADRIANO MIRANDA / PUBLICO

Anselmo Borges, padre e professor de Filosofia, é, desde há muito, uma voz crítica de uma Igreja “clericalizada” e mais preocupada com a sua sobrevivência do que em abrir-se à sociedade e à protecção das vítimas. Face ao relatório que, a partir de 512 testemunhos validados, calcula que quase cinco mil crianças tenham sido vítimas de abuso sexual às mãos de clérigos portugueses nos últimos 72 anos, numa estimativa “muito conservadora”, Anselmo Borges não hesita em considerar que chegou a hora de equacionar o fim do celibato dos padres e a abertura às mulheres para lugares de topo na hierarquia da Igreja.

O que se impõe que a Igreja faça com as conclusões do relatório?
Isto foi um sismo na Igreja e, portanto, aquilo que eu espero e desejo ardentemente é que agora haja uma regeneração desde os alicerces, isto é, que voltemos verdadeiramente ao Evangelho. Em concreto, que se peça perdão às vítimas, que haja uma verdadeira reconciliação, que, inclusivamente, e na medida justa, haja uma reparação eventualmente financeira às vítimas que ficaram com a vida destroçada. É fundamental esta reconciliação, reconhecer o mal que foi feito às vítimas. Isto é sempre uma catástrofe, mas neste caso estamos perante um abuso de um poder considerado sacro e divino. As crianças confiavam na Igreja e nos padres, foi uma traição à confiança das vítimas.

O que é que isso implica?
No sentido mais amplo, implica acabar com o celibato e dar verdadeira igualdade às mulheres dentro da Igreja. É urgente acabar com este verdadeiro escândalo da discriminação das mulheres. Penso, aliás, que se houvesse mulheres no topo hierárquico da Igreja esta tragédia não teria tido a amplitude que teve. Portanto, que haja uma verdadeira igualdade entre mulheres e homens, porque a actual discriminação é contra os direitos humanos e sabemos, de resto, que ao longo da história da Igreja já houve mulheres a presidir à eucarística.

E quanto à ponderação do fim do segredo de confissão proposto no relatório?
O segredo da confissão é, para mim, inviolável.

E quanto aos seminários, o que é preciso mudar, atendendo a que foram palco privilegiado dos abusos?
Os seminários são uma criação que vem na continuidade do Concílio de Trento. Eu penso que eles prestaram um serviço, mas que agora têm de ser diferentes. Temos de começar a ordenar homens casados e os candidatos a ministros devem ir à universidade. Repare, o que tem de haver na Igreja não são sacerdotes ordenados, mas ministérios ordenados, que é diferente. Tradicionalmente, as crianças entravam em idades muito precoces no seminário, algumas porque era a maneira de haver uma promoção. E entraram num seminário em que não havia a presença feminina, onde a grande tentação era o sexo. Em muitos casos, isso fez com que houvesse padres com uma sexualidade distorcida, o que foi uma das causas desta tragédia dos abusos. A formação tem de ser diferente e tem de incluir a presença de mulheres, mas, com o tempo, é toda a pastoral que tem de ser revista.

Crê que a Igreja se disponibilizará para apoiar financeiramente pelo menos o tratamento das vítimas?
Na medida do possível. Eventualmente, em vez de se pensar na ostentação em relação à Jornada Mundial da Juventude, pense-se nos mais pobres e nos marginalizados, como foram e são as vítimas, e à semelhança do que fez Jesus. Parece-me claro que, em relação às vítimas, é preciso garantir cuidados psiquiátricos e que a Igreja tem de as apoiar financeiramente.

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