Solos: Alentejo é caso de estudo de projecto europeu de 6,9 milhões de euros

Projecto vai estudar uso do solo em cinco países para potenciar mitigação das alterações climáticas e da perda de biodiversidade. FCSH lidera iniciativa em Portugal, financiada com 543 mil euros.

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Os solos alentejanos sofrem problemas de erosão e desertificação FRANCISCO ROMAO PEREIRA

Os cenários climáticos para o Alentejo apontam para um agravamento da desertificação. O aumento da temperatura e a diminuição da chuva, associados às alterações climáticas, são dois grandes factores nesse processo. Mas a forma como o solo é explorado tem um papel fundamental no futuro do solo alentejano. Agora, aquela região vai ser um dos casos de estudo de um projecto europeu dedicado ao uso dos solos e financiado em 6,9 milhões de euros pelo Horizonte Europa. O objectivo é evitar os piores cenários.

Chamado Mosaic – Joined-up land use strategies tackling climate change and biodiversity loss (qualquer coisa como Mosaico Estratégias conjuntas de utilização do solo para combater as alterações climáticas e a perda de biodiversidade), o projecto vai estudar o que leva os produtores e os agentes políticos a fazerem más escolhas do ponto de vista do uso do solo, quer criar cenários a partir desta análise e potenciar políticas que promovam usos do solo capazes de mitigar as alterações climáticas e evitar a perda de biodiversidade.

“O projecto começa por um ponto: cada vez mais as pessoas valorizam o meio ambiente, mas continuam a tomar acções contra ele”, explica ao PÚBLICO Francesca Poggi, investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais d​a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, líder do projecto em Portugal. “A nossa ideia é começar a perceber porquê e a contribuir com soluções”, explicou a investigadora, formada em arquitectura e urbanismo.

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O uso de olival intensivo tem impacto no solo Nuno Ferreira Santos

Problemas como a desflorestação, que provoca a libertação de dióxido de carbono (CO2), e a agricultura intensiva, onde se recorre a fertilizantes e pesticidas com impactos na biodiversidade, aceleram fenómenos que o Pacto Ecológico Ambiental da União Europeia quer combater. “Precisamos de transformações rápidas e radicais”, assume a investigadora.

Francesca Poggi foi convidada para integrar este projecto pelo Instituto da Flandres para a Investigação Tecnológica (VITO, sigla em inglês). O VITO é uma organização de investigação independente situada em Mol, na província de Antuérpia, na Bélgica, que tem como objectivo “acelerar a transição para um mundo sustentável”, segundo o seu site. O Mosaic é liderado pela investigadora belga Nele D'haese, do VITO. Ao todo, são 20 as instituições de nove países europeus (Alemanha, Bélgica, Dinamarca, França, Hungria, Países Baixos, Portugal, Suíça e Reino Unido) a integrar o consórcio, que se candidatou no ano passado ao financiamento do Horizonte Europa e ganhou. Mas apenas cinco países terão casos de estudo para obter o mosaico de informação que se deseja.

Além de Portugal, a Bélgica vai investigar a criação de regiões climáticas resilientes, a Dinamarca irá dedicar-se ao problema das emissões e do sequestro de CO2, a Hungria quer analisar a seca que está a afectar a região do Danúbio e como é possível restaurar a paisagem natural e a Suíça estudará as regiões glaciares cuja paisagem está ameaçada. Haverá ainda um sexto caso de estudo, que será a própria Europa como um todo.

Os vários casos representam realidades europeias diferentes. Com isso, a iniciativa almeja “o desenvolvimento de cenários realistas e modelos funcionais para optimizar a contribuição do solo na mitigação das alterações climáticas, na adaptação e nos objectivos de biodiversidade (…) e ao mesmo tempo reduzir os conflitos, explorar as sinergias e gerir os riscos”, lê-se no documento da candidatura do projecto.

No final, o Mosaic irá disponibilizar os cenários que produziu num ambiente digital que pode ser acedido por quem quiser e servirá para a promoção de uma mudança no comportamento de quem tem um papel importante no futuro do território, desde agricultores até entidades governamentais. “Se mudarmos os paradigmas de uso do solo, podemos mudar as tendências negativas actuais”, considera Francesca Poggi.

Como não integra a União Europeia, a Suíça comprometeu-se a injectar capital no projecto, que no total terá 7,8 milhões de euros para quatro anos e meio de trabalhos, a começar em Setembro deste ano. “É um projecto com muita relevância e muito ambicioso”, diz a investigadora. Além da FCSH, que vai receber 247.112 euros, vão participar ainda o Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, com a dotação de 226.070 euros, e a Agência de Desenvolvimento Regional do Alentejo, em Évora, que irá obter 70.672 euros. Ao todo, Portugal vai ficar com 543.854 euros vindos do Horizonte Europa, que é o actual Programa-Quadro de Investigação e Inovação da União Europeia​.

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Francesca Poggi, investigadora da Faculdade de Ciências Socias e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, está à frente do projecto em Portugal DR

Laboratório de políticas

No Alentejo, vão ser estudadas questões como a emergência das estufas, os olivais de cultura intensiva na região do Alqueva e os parques fotovoltaicos. Ao mesmo tempo, o projecto propõe-se a entrar em diálogo com os vários intervenientes que têm um papel no ordenamento do território para perceber como as escolhas do uso do solo estão a ser feitas.

A equipa irá realizar inquéritos online de natureza quantitativa e entrevistas mais profundas a um número mais restrito de intervenientes. No caldo destas conversas, estarão os proprietários de terra, os agricultores, os arrendatários, os empresários na área do turismo e das energias renováveis, do lado do sector privado, e, no sector público, os municípios, os técnicos das câmaras, os políticos e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo.

A nova informação vai permitir elaborar cenários futuros. “Se nós, ao escutarmos os vários intervenientes, percebermos que, por causa da Política Agrícola Comum, do contexto cultural e dos aspectos psicológicos, não vai haver grandes mudanças nos seus comportamentos, vamos obter o cenário do que vai acontecer no futuro se não fizermos nada”, exemplifica.

O impacto dos parques fotovoltaicos vai ser estudado pelo projecto Rui Gaudêncio
As estufas no litoral alentejano estão a mudar a paisagem e o uso do solo daquela região Miguel Manso
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O impacto dos parques fotovoltaicos vai ser estudado pelo projecto Rui Gaudêncio

Estes cenários são formulados com a ajuda de informação geográfica acerca do uso que os solos foram tendo no passado. Para isso, o consórcio vai trabalhar com o Programa Copérnico, da União Europeia, que tem informação detalhada sobre o solo.

“Escolhemos o Alentejo porque está a enfrentar alguns dos desafios associados às mudanças climáticas, como a erosão e a desertificação”, explica Francesca Poggi. Os diálogos vão acontecer no contexto de um laboratório de políticas, uma ideia original do Mosaic. Haverá um destes laboratórios em cada um dos casos de estudo nos vários países. Estes laboratórios serão “instrumentos de colaboração, espaços para desenvolver, testar e validar as soluções”, adianta.

“Desejaríamos que este projecto pudesse desenvolver uma visão para o futuro e que o Alentejo se tornasse uma região de resiliência climática e de sustentabilidade”, antecipa Francesca Poggi. “Existem muitos fundos da União Europeia, temos de criar políticas para usarmos melhor esses fundos.”

Um dos maiores desafios será “criar um modelo de zonamento equilibrado”, refere a especialista, que tenha em conta a produção agrícola que tem mercado e é importante para os agricultores e para as populações locais, a necessidade da transição energética, o cuidado dos solos e a manutenção de corredores biológicos.

A investigadora dá exemplos. A substituição de eucaliptais por parques fotovoltaicos é algo que pode fazer sentido, já que os eucaliptos estragam os solos. Mas a substituição de áreas de montado, típicas daquela região, por parques fotovoltaicos não faz sentido, defende Francesca Poggi. Ou questões mais simples: “O uso de uma cultura agrícola errada para um determinado solo pode ter impactos que são irreversíveis.”

Notícia corrigida às 12h15: A investigadora Francesca Poggi é formada em arquitecta e urbanismo e não é geógrafa, como anteriormente tinha sido referido.

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