Metas do acordo de Paris não travam rápida e irreversível subida do nível dos mares

Estudo calcula efeitos do aquecimento global sobre o derretimento dos gelos da Gronelândia e da Antárctida e apresenta novo modelo climático.

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Um pinguim-de-adélia perto da estação francesa na Antárctida de Dumont d'Urville Reuters

Para evitar que a subida do nível dos mares acelere de forma irreversível devido ao derretimento do gelo da Antárctida e da Gronelândia, o aumento da temperatura média global tem de ficar aquém do valor máximo estabelecido pelo Acordo de Paris, 2 graus Celsius, diz uma equipa internacional de investigadores na revista Nature Communications.

Os cientistas usaram três dos cenários, desenvolvidos pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), que traçam a evolução possível da temperatura da Terra consoante as emissões de gases com efeito de estufa sejam mais ou menos controladas juntamente com várias simulações do sistema terrestre com influência no processo de derretimento das geleiras.

No artigo publicado online nesta terça-feira, apresentam um novo modelo climático, que permite estudar as relações complexas entre as plataformas de gelo, os oceanos, a atmosfera e aplicaram-no ao estudo de como o degelo da Antárctida e da Gronelândia contribuirão para a subida do nível dos mares.

Por exemplo, na Antárctida, a subida da temperatura pode provocar fissuras mais profundas nas plataformas de gelo submersas no oceano em que assenta o gelo que se encontra à superfície. Isto pode provocar a desintegração destas placas, o que fará com que o gelo derretido à superfície deslize mais rapidamente para o oceano.

O que relatam no artigo que tem como primeiro autor Jun-Young Park, do Centro de Física do Clima do Instituto de Ciências de Ciências Básicas de Busan, na Coreia do Sul, é que só o cenário SSP1-1.9, que prevê cortes mais ambiciosos nas emissões de dióxido de carbono, e prevê um aumento de 1,5 graus da temperatura média global até 2050 – a meta principal do Acordo de Paris – é que evitaria o efeito de aceleração da subida do nível dos mares para os próximos 130 anos.

O limite superior do Acordo de Paris, dois graus Celsius acima dos valores anteriores à Revolução Industrial, “é insuficiente para evitar a aceleração da subida do nível do mar durante o próximo século”, escrevem os investigadores.

Incertezas na Antárctida

Os cientistas apresentam uma análise a mais longo prazo do que pode acontecer com o cenário do IPCC que traça um caminho médio (SSP2-4.5), em que as emissões de gases com efeito de estufa só começam a diminuir a partir de 2050 e a temperatura média global pode subir 2,7 graus até ao fim deste século.

A subida do nível dos mares acelera devido ao derretimento da Gronelândia durante 250 anos e culminará em 2300 ao ritmo de 0,3 centímetros por ano. Já a contribuição da Antárctida oscila entre 0,2 e 0,3 centímetros por ano entre 2200 e 2500. “Isto indica uma resposta ainda mais prolongada e significa assumir um compromisso com a subida do nível dos mares devido ao aquecimento no século XXI”, escrevem os investigadores.

No cenário mais pessimista (SSP5-8.5), que prevê a duplicação das emissões de dióxido de carbono (CO2) até 2030 e que a temperatura média global seja 4,4 graus acima do que era antes da Revolução Industrial em 2100, a perda de gelo é drástica. A plataforma de gelo Ross, na Antárctida – que tem uma dimensão aproximada à de França – simplesmente desaparece a partir de 2100, por exemplo.

Já o cenário mais optimista (SSP1-1.9), em que a temperatura média global não sobe acima de 1,5 graus e as emissões de gases de efeito de estufa se reduzem quase a zero até 2050, “é suficiente para evitar uma perda substancial de gelo na Antárctida durante os próximos séculos”, afirma a equipa.

A subida do nível dos mares a nível global durante o ultimo século foi de cerca de 20 centímetros, devido à expansão térmica da água do mar, derretimento dos glaciares e plataformas de gelo, por exemplo, e espera-se que essa tendência acelere, por causa do aquecimento global.

Observações feitas por satélite mostram que os gelos da Gronelândia perderam massa a uma taxa de 286 gigatoneladas (Gt) por ano entre 2010 e 2018, enquanto os da Antárctida perderam 252 Gt por ano entre 2009 e 2017.

Mas há várias incertezas quanto à forma como os gelos vão evoluir num planeta mais quente, e esta equipa está a tentar criar um modelo de previsão mais eficaz. A maior incerteza é relativa ao comportamento do gelo da Antárctida. Os gelos do Pólo Sul, juntamente com a Gronelândia, são os que mais contribuem para a subida do nível dos mares – que terá um enorme impacto nas muitas cidades e infra-estruturas construídas junto à costa.

Estudos recentes apontam para o nível global do mar pode subir cerca de 1,4 metros até 2150, num cenário de emissões elevadas de gases com efeito de estufa. No novo estudo, prevê-se que cada um destes mantos de gelo, o da Antárctida e o da Gronelândia, contribuam 60 a 70 centímetros para a subida do nível do mar nos próximos 130 anos, o que dá valores semelhantes às projecções já existentes.

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