Dormir mal engorda?

O consumo de alimentos mais ricos em gordura saturada, açúcares simples e baixo teor de fibra foi associado a uma diminuição da qualidade de sono (menos sono profundo) e maior dificuldade a adormecer.

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Pessoas em restrição de sono têm uma perceção de fome superior e uma maior ingestão calórica, com maior frequência de snacks ricos em hidratos de carbono Getty Images

Entre o tempo passado a trabalhar, gerir a vida familiar, treinar e a ter momentos de lazer entre amigos, muitas vezes fica em falta um elo essencial à nossa saúde: o sono.

Não é novidade o impacto que uma má noite de sono pode ter no nosso humor, cansaço e até alterações de apetite. Desde pessoas que não conseguindo dormir à noite “atacam” o frigorífico procurando algum conforto, a pessoas que quando dormem mal ou pouco sentem manifestamente mais fome nos dias seguintes. Neste texto procuramos aprofundar a relação bidirecional entre a qualidade e duração sono no excesso de peso/obesidade.

O consenso de artigos sobre o tema, revela que indivíduos em restrição de sono (4-5 horas vs 8-9 horas) possuem uma perceção de fome superior (13%) e uma maior ingestão calórica (252 kcal), com maior frequência de snacks ricos em hidratos de carbono. Para além destes resultados, os participantes exibiram maior atividade cerebral em áreas relacionadas com mecanismos de recompensa, o que significa que é mais difícil conseguir ter autocontrolo a estímulos alimentares após a restrição de sono, principalmente durante o período noturno. Em contrapartida, se promovermos mais horas de sono, esta ingestão alimentar descontrolada parece reverter. Um outro estudo comparou os efeitos do aumento da duração do sono de 6h30 para 8h30/noite, durante 2 semanas, em pessoas com excesso de peso e a consequência foi uma redução da ingestão diária em 270 kcal, e uma pequena (0,5 kg), diminuição do peso corporal.

Relativamente à massa muscular, a privação de sono leva a uma menor síntese proteica, diminuição da performance no treino e pior recuperação. Por isso o triângulo alimentação-treino-sono deve ser uma prioridade para que existam ganhos de força e massa muscular. Por outro lado, o treino de alta intensidade, parece estar relacionado com uma melhoria da eficiência de sono (quantidade de tempo a dormir, quando na cama). No entanto, é preciso ter em conta que algumas pessoas podem experienciar dificuldade a adormecer e menor qualidade de sono (menor sono REM) quando a prática de treino de alta intensidade acontece nas 4h anteriores à hora de dormir.

Para quem treina com regularidade, não durma o número de horas ideais, e também procure aumentar a massa muscular é preciso uma especial atenção à creatina, que evidencia ter benefícios além dos ganhos de massa muscular e rendimento desportivo. A privação do sono tem impacto na bioenergética cerebral, e parece que esta suplementação concomitantemente à prática de exercício físico parece otimizar a função cognitiva (tempo de reação, humor e equilíbrio), revertendo as consequências de dormir pouco.

Já na perda de peso, a qualidade e a quantidade de sono relatadas antes de intervenções para perda de peso demonstraram estar associadas ao sucesso destas e subsequente manutenção do peso perdido. Um estudo em que foram avaliados indivíduos com obesidade, demonstrou que as pessoas que dormiam menos sete horas antes da intervenção dietética, aumentaram significativamente a duração do sono com a perda de peso. Por isso, não só quem dorme melhor consegue perder mais peso, como quem perde peso consegue dormir melhor.

Outro ponto negativo associado à privação de sono no emagrecimento é a maior perda de massa magra em vez de massa gorda, e isto parece estar relacionado com o número de horas de privação. Um estudo que avaliou uma média de 5h30 de sono vs. noites com 8h30 mostrou que os participantes que dormiram menos perderam mais 60% de massa magra (1,5 vs. 2,4 kg) e menos 55% de massa gorda (1.4 vs. 0.6 kg). Mais interessante ainda: apenas 1 hora de restrição de sono durante os dias da semana, mesmo com compensação de sono durante o fim de semana, parece fazer com que exista uma maior perda de massa magra e menor de massa gorda em indivíduos em défice calórico.

O Jetlag social, definido como a variação entre o horário de dormir e despertar entre dias de semana e fins de semana, pode variar entre 1 a 2h para a maioria das pessoas, mas pode chegar as 5-8h de diferença se falarmos em fins de semana que envolvam festividades. Esta variação nos ciclos de sono parece também ter impacto nas escolhas alimentares, existindo menor consumo de frutas, vegetais, cereais integrais e leite e maior consumo de álcool, açúcar, refrigerantes, carne e ovos.

Olhando para esta relação pelo outro lado, o excesso de peso e uma má alimentação poderão ser também a origem de más noites de sono. O consumo de alimentos mais ricos em gordura saturada, açucares simples e baixo teor de fibra já foi associado a uma diminuição da qualidade de sono (menos sono profundo) e maior dificuldade a adormecer.

Quanto ao peso, um aumento de 6 unidades no índice de massa corporal (IMC) aumenta 4 vezes o risco de desenvolver apneia obstrutiva de sono (AOS), que se caracteriza pelo estreitamento e fecho recorrente das vias aéreas superiores, diminuindo a saturação de oxigénio, fragmentando o sono e criando sonolência durante o dia. Indivíduos com obesidade acordam mais vezes durante a noite e possuem um sono menos reparador e mesmo não tendo AOS parecem ressonar mais e ter maior sonolência durante o dia. Um maior perímetro de cintura e maior quantidade de gordura visceral está associada a uma menor qualidade de sono, uma vez que secreção de citocinas pró-inflamatórias se dá pelo ciclo circadiano e podem estar envolvidas na regulação do sono.

O que fazer então para otimizar a qualidade de sono?

Alimentos ricos em hidratos de carbono parecem ter uma função importante para aumentar a concentração plasmática de triptofano (aminoácido essencial, que ajuda a produzir melatonina e serotonina). Não é de surpreender por isso que dietas demasiado restritivas neste nutriente estejam associadas a piores noites de sono. A melatonina, uma hormona produzida pela glândula pineal que tem efeitos sedativos, pode ser suplementada ou encontrada em alimentos como por exemplo o leite de vaca. Por isso o tão familiar “copo de leite” antes de ir dormir, pode efetivamente ajudar a adormecer.

Quando a melatonina é suplementada, o ideal é que a dosagem seja de 1mg, administrada 1h antes da hora de ir dormir. Também as cerejas “ácidas” (tart cherry, montmorency cherry) contêm altas concentrações de melatonina e uma variedade de compostos fenólicos que possuem propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. Dados recentes apontam uma melhoria de qualidade de sono, tempo a dormir (eficiência de sono) e diminuição de insónias, com 2 tomas de 30ml de sumo concentrado. Mais ainda, para quem pratica exercício, como a suplementação em tart cherry parece diminuir a DOMS (dor muscular após exercício) e os níveis de inflamação muscular, esta pode ser uma suplementação a considerar uma vez que dores musculares também podem ser uma causa para a diminuição da qualidade de sono.

Apesar de suplementos de magnésio, zinco e vitamina B serem conhecidos por promoverem qualidade de sono e relaxamento muscular, a sinergia que acontece entre estes nutrientes parece acontecer apenas nos casos de défice nutricional, em que a ingestão alimentar não garante o aporte necessário.

A cafeína é a opção mais utilizada para contrariar o cansaço e a sonolência, todavia é necessário saber utilizá-la bem. Um trabalho recente concluiu que o consumo de cafeína reduz o tempo total de sono e a sua eficiência, numa resposta dose-dependente com a hora de ir dormir. Para além disso, o consumo de cafeína altera a arquitetura do sono subsequente com aumento da ocorrência de sono leve e redução de sono profundo, não influenciando apenas a insónia precoce (dificuldade em adormecer) como muitas pessoas acreditam. Sendo que a semi-vida da cafeína poderá ser em média 8.8h, será relevante não beber café a partir das 14h00/15h00 (assumindo que deseja ir dormir à 23h00/00h00).

Por último, para as raras pessoas quem tenham essa oportunidade, fazer pequenas sestas (20 minutos) parece ter um efeito positivo na melhoria do rendimento cognitivo e performance desportiva, bem como na redução da fadiga. Como o pico da concentração de cafeína é entre 30 a 45 minutos após a sua toma, beber café imediatamente antes da sesta pode ser o ideal para que desperte mais facilmente.

Para terminar, o comportamento mais importante será ter hábitos de sono rotineiros, tentando adormecer e acordar sempre nos mesmos horários, evitando oscilações. Garantir algumas medidas de higiene de sono tais como reduzir a exposição a luz e dispositivos (televisão, computador e telemóveis) ou pelo menos garantir filtros azuis nas telas pode ser importante.

O ritmo da vida moderna parece fazer-nos esquecer de alguns conceitos básicos como o descanso. Dormir mal e/ou pouco não deve ser considerado normal, ou parte da rotina. A produtividade, humor e rendimento desportivo dependem deste descanso, e por isso caso não durma bem, procure ter uma alimentação equilibrada, um peso saudável e praticar exercício físico. Caso estes 3 pilares ainda assim não sejam o suficiente para otimizar o sono, deve procurar ajuda médica.

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