O amor como um objetivo da política

Repensar o sistema de cuidados alternativos português com o amor em mente é, pelo contrário, ter em vista uma qualidade de cuidados muito superior.

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O amor pode ser usado numa avaliação de fundo do sistema de cuidados alternativos Nuno Ferreira Santos/Arquivo

O amor como objetivo das políticas públicas para as crianças — a ideia pode parecer utópica ou inalcançável, no entanto, pense em crianças colocadas em cuidados alternativos. Não obstante, se virmos a lei de proteção de crianças e jovens, o mero objetivo de as proteger não será insuficiente como finalidade?

Amor não é uma palavra facilmente utilizada em contextos profissionais. Compreendo que o conceito de amor possa ser confuso e até difícil de avaliar. No entanto, amor tem que ver com relações de carinho, pelo que colocar no centro das políticas públicas relativas às crianças, que se encontram em cuidados alternativos, o amor, significaria que todas as decisões precisariam de ser centradas nas necessidades da criança para desenvolver essas relações. Por exemplo, se se notar que a criança seria mais bem cuidada por um avô, um amigo da família ou um outro familiar, essa criança deveria ser colocada com essa pessoa, que deveria receber todo o apoio possível do Estado para cuidar dessa criança.

Neste caso, estamos a adaptar o sistema à criança e não a criança ao sistema. Isto significa investir tempo e dinheiro para encontrar a solução mais apropriada para essa criança, bem como contribuir com os apoios necessários com vista à manutenção desta solução.

Podemos observar por exemplo, na Escócia, como o amor pode ser usado numa avaliação de fundo do sistema de cuidados alternativos. O Governo escocês teve a coragem de escolher como objetivo da revisão do seu sistema de cuidados alternativos: “colocar o amor no centro do sistema de cuidados da Escócia e reequilibrar o sistema para se concentrar no apoio à criança.”

Na consulta pública para a revisão do sistema de cuidados alternativos, crianças e jovens que cresceram em instituições ou famílias de acolhimento falaram das suas experiências, e do que consideravam ser os obstáculos para se sentirem amados, nomeadamente: cuidados institucionais com regras desnecessárias; prestadores de cuidados que têm medo de demonstrar amor e afeto; incapacidade de dar prioridade a relações consistentes; e serviços estruturados num formato que privilegia o status quo invés de priorizar as necessidades das crianças.

O amor na transformação do sistema dos cuidados alternativos em Portugal pode ser essencial, mas gostava de vos deixar uma nota. Integrar o amor como um objetivo é mais uma questão de reorientar a nossa atenção para esse objetivo final dos cuidados prestados. O amor não deve servir de desculpa para fornecer cuidados baratos e fazer promessas vazias, como parece acontecer atualmente com a revisão do sistema de cuidados alternativos em Inglaterra.

Repensar o sistema de cuidados alternativos português com o amor em mente é, pelo contrário, ter em vista uma qualidade de cuidados muito superior, um cuidado que não se limita a proteger as crianças, mas que tem o potencial de as fazer sentir verdadeiramente ouvidas, vistas e amadas. Há necessidade de uma abordagem muito mais holística dos cuidados prestados e esse apoio tem de se prolongar após 18 anos ou até mesmo após 25 anos, o qual é o limite da lei de proteção de crianças e jovens em Portugal.

Ter amor no centro das políticas públicas sobre crianças em cuidados alternativos significa que as políticas são realmente centradas na criança e que os meios financeiros e humanos contribuem para encontrar uma solução única e individualizada para cada criança.

Importa neste sentido colocar o amor no centro dos cuidados alternativos, considerando a sua relevância direta para as crianças que eventualmente não o vivenciaram em meses e anos cruciais de desenvolvimento. Podemos concordar que todas as crianças devem crescer com amor. Portanto, como garantir que as crianças em cuidados alternativos crescem sentindo-se não só protegidas, mas também amadas? Uma das possíveis respostas poderá passar pela medida de acolhimento familiar, a qual será abordada no artigo da próxima semana.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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