Grécia vai impedir partido de antigo porta-voz da Aurora Dourada de participar nas eleições

Proposta do Governo exclui do processo eleitoral partidos que sejam formados por pessoas condenadas por associação criminosa – ou que não sirvam o funcionamento da democracia.

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Kasidiaris num comício no local da batalha das Termópilas, em 2015 Fotis Plegas G/Reuters

O Parlamento grego aprovou esta quarta-feira à noite uma alteração à lei eleitoral em vigor, passando a proibir a participação de certos partidos em eleições no país – se na sua liderança, oficial ou nos bastidores, estiverem pessoas condenadas por associação criminosa. É o caso do antigo porta-voz da Aurora Dourada, Ilias Kasidiaris, que há dois anos formou um novo partido.

A lei resulta de uma proposta do Governo, que terá tido como objectivo impedir a participação nas próximas legislativas, em Abril, do partido Gregos pela Pátria formado por Kasidiaris, preso por ter sido condenado por pertencer a uma associação criminosa, que era a própria Aurora Dourada.

O partido desmoronou-se em 2020, quando quase 60 dos seus líderes, deputados e membros foram condenados por envolvimento em espancamentos de migrantes e refugiados, e ainda pela morte de um rapper de esquerda, Pavlos Fyssas. O tribunal deu como provado que a violência era organizada pelo partido e seguia um padrão.

Mas, mesmo preso, e mesmo sendo um dos responsáveis que receberam a pena mais alta (13 anos e meio de prisão), Kasidiaris preparava-se para concorrer às legislativas com o seu novo partido. Segundo as sondagens, o Gregos pela Pátria teria um pouco mais de 3% das intenções de voto – 3% é o limite mínimo para um partido ter representação parlamentar.

Se proibir pessoas condenadas por pertencer a uma associação criminosa não causa grande polémica, a alteração à lei suscitou debate por acrescentar que os partidos devem servir “o funcionamento livre da Constituição democrática”, algo que é visto por muitos como abrindo a possibilidade de utilização abusiva, diz o diário grego Kathimerini.

A proposta foi aprovada com os votos da Nova Democracia, do primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis, e do Partido Socialista Pan-Helénico (PASOK), na oposição, enquanto o Syriza (Coligação de Esquerda radical, do ex-primeiro-ministro Alexis Tsipras) se absteve, e os partidos de oposição mais pequenos votaram contra. O primeiro-ministro, Kyriakos Mitsotakis, disse que o objectivo da medida não é “impedir ideias, mas sim salvaguardar a ordem constitucional democrática”.

Nikos Alivizatos, professor de Direito na Universidade de Atenas, foi uma das vozes críticas. Num artigo no Kathimerini, Aliviziatos defendeu que bastaria impedir que concorressem partidos dirigidos por pessoas condenadas por pertença a organização criminosa ou que as integrassem nas suas listas.

O diário norte-americano The New York Times lembra que o especialista em Direito Constitucional foi atacado por membros e apoiantes da Aurora Dourada em 2010, e cita-o dizendo que a lei agora aprovada pode ser “mal interpretada” e levar a partidos “inocentes” serem excluídos do processo eleitoral.

“É perigoso ir além do critério do uso directo da violência, porque aí transforma-se numa questão quase filosófica, e há espaço para interpretações variadas”, disse Alivizatos, citado pelo New York Times. “O preço para cada democracia é tolerar alguém que possa ser fascista.”

Na Europa tem havido casos de proibição de partidos por estarem ligados a incitamento à violência ou grupos armados (como, em 2003, o partido basco Batasuna, ilegalizado pelo Supremo Tribunal espanhol por ser parte da ETA), ou por racismo, como foi o caso, na Bélgica, do partido nacionalista da Flandres Vlaams Blok, que perdeu financiamento público e acesso à televisão após uma decisão do Supremo em 2004, o que levou ao seu fim. No entanto, no ano seguinte o seu presidente formou um novo partido, o Vlaams Belang, com a mesma linha, e que se mantém até hoje.

Outro caso que provocou intenso debate foi, na Alemanha, o do Partido Nacional Democrático (NDP), de extrema-direita. A primeira tentativa de ilegalização, em 2003, falhou porque algumas das testemunhas ouvidas no processo eram agentes infiltrados em exercício na operação de vigilância. Uma nova tentativa, iniciada no final de 2012, voltou a falhar: em 2017, o Tribunal Constitucional considerou que o partido era antidemocrático, mas argumentou que a sua proibição seria desproporcional, uma vez que tinha poucos eleitos (apenas nos parlamentos regionais, o partido nunca conseguiu representação parlamentar nacional) e influência limitada.

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