Mais de 7000 mortos confirmados nos sismos na Turquia e na Síria

Ajuda humanitária para a Síria está suspensa devido aos danos nas estradas e OMS alerta que 23 milhões de pessoas podem ser afectadas. Erdogan declara estado de emergência durante três meses.

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Em Hatay, muita gente tenta fazer o trabalho das equipas de resgate Reuters/UMIT BEKTAS

Temperaturas negativas, chuva, neve e sucessivas réplicas, tudo dificulta os esforços para resgatar milhares de pessoas que se pensa estarem ainda debaixo de escombros, muitas horas depois de um conjunto de terramotos, o maior dos quais com magnitude 7,8 na escala de Richter, ter abalado o Sudeste da Turquia e o Noroeste da Síria. A Protecção Civil turca (AFAD) já contabilizou 5434 mortos – somadas as 1832 vítimas já confirmadas na Síria, os mortos entre os dois países são pelo menos 7266.

Mais assustador é pensar que a dimensão da tragédia pode estar ainda escondida. Se na Síria é difícil reunir informações, com o sismo a atingir zonas controladas pelo regime e áreas sob controlo de diferentes grupos de rebeldes, na Turquia há regiões onde as equipas de socorro ainda não chegaram ou chegam agora a conta-gotas. Na principal auto-estrada que dá acesso a Marash (ou Kahramanmaras), perto do epicentro, a BBC encontrou na manhã desta terça-feira os membros de uma equipa de resgate “ansiosos” por chegarem à cidade e começar à procura de sobreviventes, admitindo não fazer ideia do que iam encontrar.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) avisa que o número final de vítimas pode ultrapassar as 20 mil. “Existe um potencial contínuo para abalos adicionais e muitas vezes vemos números oito vezes superiores aos números iniciais”, disse à AFP Catherine Smallwood, responsável de situações de emergência da OMS na Europa, numa altura em que os balanços provisórios apontavam para 2600 mortos. “O número de pessoas mortas e feridas vai aumentar bastante na próxima semana.”

“Estamos especialmente preocupados com as áreas de onde ainda não nos chegou informação”, disse esta terça-feira o director-geral da organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em Genebra, explicando que “o mapeamento de danos é uma forma de perceber onde devemos focar a nossa atenção”. “Agora é uma corrida contra o tempo”, disse ainda Ghebreyesus. “Cada minuto, cada hora que passa, diminuem as hipóteses de encontrar sobreviventes com vida.”

Se na Turquia chove ou neva – numa conversa com os jornalistas em Istambul, o vice-presidente, Fuat Oktay, sublinhou que o mau tempo está a dificultar a chegada de ajuda à região afectada –, o Norte da Síria, diz a Al-Jazeera, foi atingido por “uma forte tempestade.”

Síria sem ajuda humanitária

Uma outra responsável da OMS, Adelheid Marschang, afirmou que os sismos podem ter um impacto directo em 23 milhões de pessoas, devido à destruição causada em infra-estruturas civis e instalações hospitalares. A organização, disse, considera que as principais necessidades a acorrer no imediato e a médio prazo são as da Síria”, para onde “o trânsito de ajuda [humanitária] vai estar ou está já com perturbações”. E isto, acrescentou Marschang, “seria uma crise enorme por si só”.

Raed al-Saleh, que dirige os Capacetes Brancos (como são conhecidos os voluntários da Defesa Civil Síria, grupo que nasceu para resgatar civis dos escombros dos bombardeamentos das forças de Bashar al-Assad), pediu ajuda urgente para o Nordeste da Síria. “Todos os segundos contam para salvar vidas e pedimos a todas as organizações humanitárias para nos enviarem ajuda material e responderem com urgência a esta catástrofe”, disse à Reuters.

Mesmo que esta ajuda esteja disponível, não é certo seja possível fazê-la chegar. Enquanto na Turquia o Governo ordenou o encerramento de todas as estradas que permitem chegar ou sair das províncias de Hatay e Adiyaman e da cidade de Kahramanmaras, as Nações Unidas sublinham que o sismo bloqueou o transporte regular de ajuda da Turquia para o Noroeste da Síria, onde vivem milhões de pessoas, a maioria deslocadas, dependentes de assistência externa. “Algumas estradas estão destruídas, outras estão inacessíveis”, descreveu Madevi Sun-Suona, porta-voz do gabinete de assuntos humanitários da ONU (OCHA).

A ministra dos Negócios Estrangeiros alemã, Annalena Baerbock, já veio exigir que todos os países, “incluindo a Rússia”, pressionem o regime de Assad para permitir o acesso de ajuda às vítimas do terramoto. Antes, o Crescente Vermelho Sírio dissera-se pronto para distribuir ajuda humanitária a todas as regiões do país, incluindo as áreas controladas pela oposição. Mas permitir o acesso de organizações internacionais é totalmente diferente de ser o regime a levar a ajuda necessária até estas regiões, onde os sírios se encontram, precisamente, para fugir a Assad.

A Argélia, os Emirados Árabes Unidos e o Irão já enviaram aviões com equipas de busca e salvamento e ajuda humanitária para Damasco e Alepo.

Estado de emergência na Turquia

Na Turquia, o Presidente decretou o estado de emergência por um período de três meses nas dez províncias mais afectadas pelos abalos. "Estamos a enfrentar um dos maiores desastres não só da nossa república, mas da nossa geografia e do mundo", justificou Recep Tayyip Erdogan na televisão. "O nosso maior alívio é que 8000 dos nossos compatriotas foram já resgatados dos escombros."

A declaração de estado de emergência alarga os poderes executivos, permitindo ao Governo aprovar leis sem uma votação parlamentar e suspender direitos e liberdades conforme considere necessário. Na sua comunicação ao país, Erdogan criticou aqueles que espalham "mentiras" sobre os terramotos e avisou que a Justiça estará atenta. Um procurador de Istambul anunciou esta terça-feira a abertura de um inquérito a dois jornalistas da Tele1, um canal televisivo considerado opositor a Erdogan, por terem criticado a resposta governamental aos sismos.

Nas redes sociais turcas, muitas pessoas estão a reagir com indignação ao que dizem ser o fracasso das autoridades na província de Hatay, fronteiriça com a Síria. “Estou tão zangada”, escreve no Twitter a analista Gönül Tol, directora de Estudos Turcos no Middle East Institute, em Washington. “As pessoas estão a tentar desenterrar os seus familiares. Está frio, está a chover, não há electricidade”, descreve. “Um membro da minha família está preso debaixo de uma laje de cimento, à espera das equipas de resgate há horas”.

Ainda em Hatay, a Reuters esteve num local onde se ouvia a voz de uma mulher a pedir ajuda sob uma pilha de destroços. “Eles fazem barulho, mas não vem ninguém”, disse, a chorar, Deniz, um residente na zona, à procura da mãe e do pai. “Estamos devastados, estamos devastados… Meu Deus… Eles chamam. Eles dizem ‘salvem-nos’, mas não podemos salvá-los. Como é que vamos salvá-los?”

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