Cacá “chama a pélvis” em aulas que vibram, ondulam e rebolam — ossos e tudo

A bailarina Cacá Otto Reuss começou a pensar numa prática “de activação e libertação da região pélvica” a ouvir funk em casa, no Porto, depois de sair do Brasil. Nas suas aulas ensina como o fazer.

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Chama a Pélvis, projecto da bailarina Cacá Otto Reuss Paulo Pimenta

Não sabemos como se parece “uma pélvis com muita ansiedade”, mas é isso que Cacá Otto Reuss pede para reproduzir, na brincadeira. Ondular, rebolar, abrir espaço, soltar são outros dos comandos da bailarina e coreógrafa que começou a mexer o corpo todo a partir de uma região primordial: a pélvis.

Através de movimentos de vibração e ondulação, Cacá tenta fazer com que as pessoas “se conectem com a pélvis delas” nas aulas de dança que dá online todas as quartas-feiras e presencialmente, uma vez por mês, no Sport Clube do Porto. “O movimento acontece pelo osso, pelas articulações. Tem de existir um relaxamento completo das musculaturas”, explica, guiando a conexão corpo-mente e moralizando quem só vê rabo e quadril reprimidos demais para se permitirem a mexer assim.

À prática de dança com foco nos movimentos pélvicos chamou Chamá Pélvis, no “sentido literal, de convidar a pélvis para o corpo”, explica, mas também Chama a Pélvis de “chama, de energia do fogo”. “A pélvis está associada ao nosso chacra básico, que é a energia do fogo, da activação, da manifestação da criação, então tem essa dupla interpretação.”

Chama a Pélvis e Pelvic Dance são aulas regulares de "movimentação pélvica" no Porto e Lisboa Paulo Pimenta
PP - 14 JANEIRO 2023 - PORTO- Aulas Chama Pelvis Caca Otto Reuss uma bailarina ativacao libertacao e consciencia da regiao pelvica
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Chama a Pélvis e Pelvic Dance são aulas regulares de "movimentação pélvica" no Porto e Lisboa Paulo Pimenta

Portuguesa com família brasileira, Cacá decidiu voltar do Rio de Janeiro para o Porto quando Jair Bolsonaro chegou à presidência. “No Brasil, eu tive muito contacto com a cultura do funk. Ia a muitas festas e via as pessoas a dançar o passinho e várias expressões de dança da favela. Isso foi uma inspiração para eu construir uma nova linguagem de movimento”, conta.

Durante a pandemia, já num Porto muito longe dos frenéticos 150bpm, e sem festas como a Kebraku ou o Batidão Baile Funk, Cacá dançava e ouvia constantemente músicas populares brasileiras, como o axé ou o coco, em casa.

Com espectáculos cancelados, começou a pensar em “como poderia desenvolver uma prática de movimentação pélvica” com “toda a bagagem da dança contemporânea” que tem. “Queria pensar no corpo como um todo, sem anular esta região, que é uma região muito esquecida”, resume.

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A bailarina Cacá Otto Reuss Paulo Pimenta

A “surpresa” de ter uma pélvis

As aulas da Raba Power, mais abertamente comunicadas para mulheres como forma de activismo pelo empoderamento da sexualidade e prazer feminino, que acontecem em Lisboa regularmente desde 2019, ajudaram-na nas primeiras aproximações a esta prática. Foi com elas que Flora Mariah, bailarina natural do Rio de Janeiro, onde alguns grupos brasileiros já exploravam a mobilidade pélvica, terá começado a explorar a prática em Portugal. Também Luiza Cascon, que tal como Cacá e Flora estudou Dança na Faculdade Angel Vianna, no Rio, juntou-se ao projecto Raba Power antes de começar com as aulas regulares e presenciais Pelvic Dance em Arroios e nos Anjos, em Lisboa.

Cacá já deu as aulas Chama a Pélvis para grupos com experiências muito diferentes, desde bailarinos profissionais a pessoas mais velhas (para estes, com menos tempo passado na posição de quatro apoios). É uma prova do potencial alcance desta prática, a que a bailarina nunca colou um rótulo de género, embora seja difícil conquistar homens para experimentar.

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Paulo Pimenta
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"Principalmente na nossa cultura ocidental europeia, existe um bloqueio. São movimentos que os homens em geral não fazem, a não ser que estejam na intimidade com as suas parceiras e parceiros", diz. "É uma região e é um tipo de movimentos que são hipersexualizados. É uma prática que também pode ter essa lógica sexual, são movimentos que também associamos à prática sexual. Existe uma tentativa de ressignificação desses movimentos", explica.

O resultado de auto-explorar “movimentos ancestrais”, bem vivos e de excelente saúde em muitas culturas, como ela viu e não esqueceu, é “uma sensação de incorporação”. Como se o ponto central do corpo mudasse e, com ele, "toda a tua predisposição corporal, a forma como te expressas perante o mundo e perante o movimento". “Há pessoas que saem completamente surpresas porque percebem que têm uma pélvis, que alguma coisa se activou ali”, conta. E que pode mexer assim, antes de fazer mexer tudo o resto.

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