Comparações a Leste do contexto

Carregamos a herança do Portugal pré-25 abril, em que o analfabetismo abrangia mais de 25% da população. Os países de leste apresentam os níveis educacionais elevados dos antigos regimes socialistas.

Deparámo-nos, nos últimos meses, com o regozijo da direita liberal face às mais recentes previsões da Comissão Europeia para 2024 e a uma eventual ultrapassagem de Portugal pela da Roménia em termos de PIB per capita, bem como ao ranking International Tax Competitiveness Index 2022 que classifica mal o sistema fiscal português, contrastando com a Estónia e a Letónia, líderes entre os países da OCDE.

Uma vez mais, multiplicaram-se as referências às economias do leste europeu, e a comparação direta e descontextualizada com a realidade portuguesa, que procura reforçar o ímpeto da narrativa liberal. Porém, para avaliar o presente e projetar o futuro, nada melhor que compreender o passado.

Apesar de Portugal ter verificado progressos significativos em termos de qualificações, temos ainda um caminho a percorrer. Hoje, a percentagem de jovens com ensino superior ultrapassa a média europeia (e a dos países de leste), mas carregamos a herança de um Portugal pré-25 abril, em que o analfabetismo abrangia mais de 25% da população. Em sentido oposto, os países de leste apresentam níveis educacionais elevados, não provenientes das recentes políticas liberais, mas de antigos regimes socialistas.

Também, estando fora da Zona Euro, muitas destas economias não sofreram as mesmas repercussões da crise económica e financeira, o que se refletiu nos níveis de endividamento soberano, no serviço da dívida e, em última instância, nos seus sistemas fiscais. Associado a esta situação, surge uma outra característica, também ela alheia às suas recentes políticas. Em 2021, perto de um em cada quatro portuguesa tinha, pelo menos, 65 anos – um nível superior à média europeia e das economias de leste – o que exige um maior esforço sobre as contribuições sociais.

Se o ponto de partida já não joga a nosso favor, então olhemos para o mapa. As economias de leste beneficiam da proximidade geográfica a importantes polos industriais, o que reduz os custos logísticos associados ao comércio de bens e fomenta estratégias de deslocalização industrial.

Na verdade, a teoria económica também contribui para a compreensão do desempenho destes países desde a adesão à União Europeia, tornando previsível que economias inicialmente menos ricas cresçam mais rápido.

No entanto, parece que não faltam motivos para otimismo. Embora tenhamos diferentes contextos e pontos de partida, comparamo-nos bastante bem em termos de condições para crescimento no futuro.

Não só Portugal tem convergido quase sempre com a média europeia desde 2016, como as novas gerações se equiparam com os melhores países europeus em termos de qualificações. Os números mostram uma crescente aposta em I&D, os níveis de investimento (nacional e estrangeiro) estão em máximos históricos, e preparamo-nos para sair do top europeu de endividamento público.

Afinal de contas, e apesar de todas as comparações, Portugal teve o 2.º maior crescimento da União Europeia em 2022.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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