Como resolver o desperdício têxtil? A artista Ana Baleia propõe triturar a roupa

“Destruir para criar” é o mote do projecto Tex Rex. O resultado está em exposição até 10 de Fevereiro, na Galeria Plato, em Évora.

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Os têxteis correspondem a 3,78% dos resíduos urbanos Reuters/IVAN ALVARADO

Em Portugal, quase 4% dos resíduos urbanos são têxteis, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente. Consciente dos números esmagadores e do impacto que tal tem no planeta, a artista Ana Baleia procurou dar uma nova vida às roupas usadas. Começou a triturá-las e descobriu que podem ter inúmeras funções. Os resultados do trabalho estão expostos na Galeria Plato, em Évora, desta sexta-feira até ao próximo dia 10 de Fevereiro.

Ana Baleia estudou design de moda e, desde cedo, ganhou interesse pelo aproveitamento da roupa usada para novas criações — tanto que estagiou com o criador Dino Alves, um pioneiro do upclycing, tão em voga no sector. “Sempre achei que as roupas usadas têm algo de bonito, alguém as usou”, começa por contar ao PÚBLICO a artista radicada no Alentejo.

Uma pilha de roupa descartada parecia-lhe uma oportunidade, interessante a nível plástico e estético, para construir algo de novo. No trabalho de figurinos para o teatro, a que se dedica maioritariamente, era essa a sua matéria-prima. Mas foi aí que se apercebeu que, quando se reaproveitavam peças usadas, o desperdício continuava a ser impossível de combater na totalidade.

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A artista Ana Baleia DR

“Quando cortamos um pedaço, se apanhar um bolso, se tiver uma gola ou uma costura, não pode ser usado. O monte do que não se aproveita continua a ser grande”, lamenta. E tornava-se impossível dar vazão “ao monte” porque Ana começou a receber roupa de todas as partes, oferecida por quem sabia que se dedicava ao aproveitamento destes materiais. “Não estava a conseguir aproveitar tudo, o que gerava angústia”, confessa.

Foi, então, que surgiu a ideia de triturar os têxteis para voltar a dar-lhes nova vida, sem desperdiçar nada. “Assenta na ideia de destruir para criar. Há algo de criativo no acto de destruição”, observa. Para concretizar o projecto candidatou-se a um fundo que apoia a fixação de criativos no Alentejo, o Programa Magallanes ICC, em parceria com o Arteria Lab, a Universidade de Évora e a Direcção Regional de Cultura do Alentejo.

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Obra de Ana Baleia DR

Com o apoio, conseguiu comprar uma trituradora e aventurar-se na experimentação. Nascia o Tex Rex, Textile Reuse Research (pesquisa de reutilização têxtil, em tradução livre). Ana Baleia conta ter sido inspirada pela própria cultura da região, para onde se mudou há 15 anos. No Alentejo, nota, a roupa sempre se aproveitou para retalhos que faziam mantas ou outras peças.

Mas a artista não quer utilizar o material triturado para fazer mais roupa, porque isso seria alimentar o “monstro” da indústria têxtil. Quer, sim, estudar as possibilidades do material. Por exemplo, numa parceria com uma corticeira, conseguiu fazer um bloco semelhante aos utilizados para o ioga, mas com recurso às fibras trituradas.

O material poderá também ter utilidade no design e na arquitectura, por exemplo como forma de isolamento. “O importante é gastar o material em formas que não sejam um problema também, ser aplicado com alguma longevidade em coisas que fiquem cá por muito tempo”, defende.

No futuro, imagina que o Tex Rex se torne uma espécie de certificação para as empresas. Ou seja, quem utilizar roupa triturada, para os mais variados propósitos, teria um selo.

Experimentação

O projecto começou em 2020 e, depois de um ano de pesquisa, Ana pôs as mãos na massa para experimentar as múltiplas possibilidades que a roupa triturada teria a oferecer. Essas experiências artísticas estão agora expostas e mostram a forma como a própria artista se relaciona com o consumismo, esclarece. “É o mostruário do percurso por estas técnicas.”

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O Provador DR

Em destaque na exposição está um “provador de roupa”, a fazer lembrar os das lojas, destinado a estimular a reflexão sobre a problemática. “A roupa está comprimida entre duas redes de metal, como se fosse uma cabine. Podem entrar e observar o que é deitado fora”, convida.

Homenageando a cultura alentejana, Ana Baleia também usou a roupa triturada para fazer uma espécie de enchidos, uma réstia de cebolas e um troféu de caça, que “significa vencer o inimigo”, algo que também ela deseja fazer. Na roupa — apesar de não ser esse o propósito — o triturado também pode ser usado para fazer apliques, como se de um bordado se tratasse.

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O projecto tem sido levado às escolas da região, algo que Ana Baleia considera fundamental, porque o problema do consumismo tem de ser resolvido a começar nos mais pequenos. “Temos de activar a parte educativa, lembrar que não faz sentido comprar sempre roupa nova”, incentiva. E termina com uma mensagem de esperança: “Se as pessoas forem menos consumistas, a própria indústria vai ajustar a produção.”

A exposição Re Search Tex Rex de Ana Baleia está patente de 3 a 10 de Fevereiro das 15 às 20h (excepto no domingo) na Galeria Plato — R. Lagar dos Dízimos, 4,​ Évora.

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